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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O CARNAVAL



Por Misael Nóbrega de Sousa

O carnaval é uma representação da vida ordinária – espelho de todo folião. Nos dias de carnaval, temos a certeza de quem somos... – dentro dos panos. As máscaras mostram a si mesmas. A fantasia é a cara nua. Muito antes de mim havia o Corso da Rua Grande – pelas fotos que pulavam da caixa de antiguidades de minha tia-avó. Personagens que compuseram o imaginário de momo; fantasmas de uma época sem graça. Todo carnaval é triste. As moças adornadas de miçangas, mais pareciam consortes. As imagens aprisionadas nos retratos sugeriam uma ostentação, não uma “celebração momesca”. Na palidez da flor virginal, a ânsia do desfrute. Colombinas, sim! As mágoas viraram marchinhas depravadas. E os amores, fúteis, como sempre. Festa de confetes, serpentinas e “laranjinhas”. “Ôôô abrem alas que eu quero passar...” Ainda alcancei os bailes de salões de grêmios e clubes sociais. Uma translação no pino da fanfarrice. A mesma ilusão. Eu era o dito-cujo que minha mãe quisesse e fui pierrõ, por diversos carnavais. Cruzava com os tipos criados – e esses tipos eram a reencarnação de mim. Não há poesia em nenhuma geração. Tudo é malícia. A inocência de outrora também é fingimento, apenas acreditamos que ela existiu para justificar o pretérito – que se sustenta no campo da lembrança. E dizemos que “essa ingenuidade parece ter saído de cena” para dar lugar à brutalidade dos trios elétricos. E se antes havia o que eu não enxergava... – essa “inocência” se assemelha com a ignorância – quais eram os outros monstros, então?. Gigantes, serpenteando pelas ruas de sortilégios. E atrás deles uma multidão de inválidos; homens coxos. Não há recompensa que valha o esforço. Marchamos sob as bênçãos do permitido. O carnaval é uma santa vontade à libertinagem mundana e cotidiana de pessoas infelizes. Não sei o porquê do carnaval. O carnaval é uma festa sem sentido: existe apenas para nos dizer o quanto somos ridículos. Não há miscigenação no carnaval, há falsos moralismos. O carnaval é o triunfo do anonimato. Peles esfregando-se na sem-vergonhice da libido. Em que bloco desfila o pudor? No arrancar de pedaços, um bêbado mijando na esquina e todos rindo da ousadia. A embriaguez da vida. Vida de adereços-cinza. Como é hipócrita o carnaval. Somos idiotizados quando induzidos à danças pornográficas encenadas à exaustão das idades. O carnaval imprime uma consciência às avessas, e gera um torpor. E quando baixamos a máscara, a realidade nos mostra mais feios. E o belo é na verdade uma caricatura da vida, embora de lição apócrifa. Os estandartes são apólogos do tempo: uma conta ao contrário do quanto já vivemos. Ele não nos pertence. Não se sustenta mais em nenhuma cultura. Reparte a carne do espírito. A vida não espera pela passagem dos blocos, desconsidera as tradições. Os pecados pertencem às suas épocas. O carnaval não se reinventou. Como o julgar, portanto? Não crio polêmica; renovo as ilusões.

Professor e jornalista

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