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quarta-feira, 22 de maio de 2013

Médicos cubanos no Brasil?


        O Conselho Federal de  Medicina (CFM) está indignado frente ao anúncio da presidente Dilma de que o  governo trará 6.000 médicos de Cuba, e outros tantos de Portugal e Espanha,  para atuarem em municípios carentes de profissionais da saúde. Por que aqui a  grita se restringe aos médicos cubanos? Detalhe: 40% dos médicos do Reino  Unido são estrangeiros.

      Também em Portugal e  Espanha há, como em qualquer país, médicos de nível técnico sofrível. A  Espanha dispõe do 7º melhor sistema de saúde do mundo, e Portugal, o 12º. Em  terras lusitanas, 10% dos médicos são estrangeiros, inclusive cubanos,  importados desde 2009. Submetidos a exames, a maioria obteve aprovação, o que  levou o governo português a renovar a parceria em 2012. 

      Ninguém é contra o CFM  submeter médicos cubanos a exames (Revalida), como deve ocorrer com os  brasileiros, muitos formados por faculdades particulares que funcionam como  verdadeiras máquinas de caça-níqueis.

      O CFM reclama da  suposta validação automática dos diplomas dos médicos cubanos. Em nenhum  momento isso foi defendido pelo governo. O ministro Padilha, da Saúde, deixou  claro que pretende seguir critérios de qualidade e responsabilidade  profissionais.
       A opinião do CFM  importa menos que a dos habitantes do interior e das periferias de nosso país  que tanto necessitam de cuidados médicos. Estudos do próprio CFM, em parceria  com o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, sobre a “demografia médica  no Brasil”, demonstram que, em 2011, o Brasil dispunha de 1,8 médico para cada  1.000 habitantes.

      Temos de esperar até  2021 para que o índice chegue a 2,5/1.000. Segundo projeções, só em 2050  teremos 4,3/1.000. Hoje, Cuba dispõe de 6,4 médicos por cada 1.000 habitantes.  Em 2005, a Argentina contava com mais de 3/1.000, índice que o Brasil só  alcançará em 2031.

      Dos 372 mil médicos  registrados no Brasil em 2011, 209 mil se concentravam nas regiões Sul e  Sudeste, e pouco mais de 15 mil na região Norte.

      O governo federal se  empenha em melhorar essa distribuição de profissionais da saúde através do  Provab (Programa de Valorização do Profissional de Atenção Básica), oferecendo  salário inicial de R$ 8 mil e pontos de progressão na carreira, para  incentivá-los a prestar serviços de atenção primária à população de 1.407  municípios brasileiros. Mais de 4 mil médicos já  aderiram.

        O senador Cristovam  Buarque propõe que médicos formados em universidades públicas, pagas com o  seu, o meu, o nosso dinheiro, trabalhem dois anos em áreas carentes para que  seus registros profissionais sejam reconhecidos.

      Se a medicina  cubana é de má qualidade, como se explica a saúde daquela população  apresentar, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), índices bem melhores  que os do Brasil e comparáveis aos dos EUA?

      O Brasil, antes de  reclamar de medidas que beneficiam a população mais pobre, deveria se olhar no  espelho. No ranking da OMS (dados de 2011), o melhor sistema de saúde do mundo  é o da França. Os EUA ocupam o 37º lugar. Cuba, o 39º. O Brasil, o 125º  lugar!

       Se não chegam médicos  cubanos, o que dizer à população desassistida de nossas periferias e do  interior? Que suporte as dores? Que morra de enfermidades facilmente  tratáveis? Que peça a Deus o milagre da cura?

      Cuba, especialista em  medicina preventiva, exporta médicos para 70 países. Graças a essa  solidariedade, a população do Haiti teve amenizado o sofrimento causado pelo  terremoto de 2010. Enquanto o Brasil enviou tropas, Cuba remeteu médicos  treinados para atuar em condições precárias e situações de emergência. 

      Médico cubano não virá  para o Brasil para emitir laudos de ressonância magnética ou atuar em medicina  nuclear. Virá tratar de verminose e malária, diarreia e desidratação,  reduzindo as mortalidades infantil e materna, aplicando vacinas, ensinando  medidas preventivas, como cuidados de higiene.

      O prestigioso New  England Journal of Medicine, na edição de 24 de janeiro deste ano, elogiou  a medicina cubana, que alcança as maiores taxas de vacinação do mundo, “porque  o sistema não foi projetado para a escolha do consumidor ou iniciativas  individuais”. Em outras palavras, não é o mercado que manda, é o direito do  cidadão.

       Por que o CFM nunca  reclamou do excelente serviço prestado no Brasil pela Pastoral da Criança,  embora ela disponha de poucos recursos e improvise a formação de mães que  atendem à infância? A resposta é simples: é bom para uma medicina cada vez  mais mercantilizada, voltada mais ao lucro que à saúde, contar com o trabalho  altruísta da Pastoral da Criança. O temor é encarar a competência de médicos  estrangeiros.

Quem dera que, um dia,  o Brasil possa expor em suas cidades este outdoor que vi nas ruas de  Havana: “A cada ano, 80 mil crianças do mundo morrem de doenças facilmente  tratáveis. Nenhuma delas é cubana”.

       
Autor: Frei Betto

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