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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cortador de cana chega à final de Olimpíada de Língua Portuguesa contando sonho nordestino

Entre os 152 alunos que foram a Brasília participar da final da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro, o cearense Sineudo dos Santos chama atenção por destoar do estereótipo de estudante premiado. Com 23 anos e no 3º ano do ensino médio, o cortador de cana conseguiu o feito de chegar à última etapa do concurso ao falar de um assunto que ele entende muito: o "sonho nordestino".
Com a experiência de quem saiu da cidade cearense de Jardim para cortar cana em Tamboara (PR), Sineudo escreveu sobre as dificuldades e os benefícios que os migrantes do nordeste proporcionam às cidades do sul do país no artigo opinativo "O polêmico sonho nordestino em terra paranaense".
No artigo, Sineudo fala sobre o sofrimento do povo nordestino e conta o "segredo" de conhecer tanto o assunto: "Sou nordestino e sinto na pele essa polêmica... Não fossem pelas dificuldades em sobreviver em uma terra tão castigada pela seca, não deixaríamos para trás quem tanto amamos para trabalhar em terras tão distantes".
A classificação para a etapa final da Olimpíada de Língua Portuguesa chega no mesmo mês em que Sineudo completa o ensino médio. "Foi a coroação para tanta luta", afirma. Caçula de uma família de sete irmãos, Sineudo é o primeiro a conseguir terminar o ensino médio.
Em uma cidade que não tinha energia elétrica a água encanada até o ano 2000, ele foi o único que teve oportunidade de continuar na escola. Mesmo assim, a rotina era árdua. "Trabalhava batendo tijolo em uma Olaria das 7h30 às 17h30. Aí tinha subir em uma caçamba de caminhonete com mais 15 pessoas, percorrer 18 km, assistir a aula e voltar para casa. Recentemente, teve até um acidente com esse carro", conta.
Finalista teve que largar os estudos para cortar cana

Com a mão calejada do trabalho e dormindo menos de seis horas por dia, a tentação de parar os estudos sempre foi um fantasma na vida do cearense. O incentivo da família o ajudava a vencer o desejo de largar tudo. Porém, a oportunidade de sair da cidade natal o fez abandonar os estudos quando estava no 3º ano em 2009. "A vida estava muito sofrida e queria ajudar a família", se justifica.
A motivação para voltar a estudar só veio no início de 2012, quando perdeu a oportunidade de sair do corte de cana. "Tinha uma vaga de técnico de segurança e perdi porque não tinha segundo grau. Aí decidi retomar".
Para Sineudo, o momento mais difícil foi na semifinal, realizada em Belo Horizonte: "A gente tinha que escrever um artigo após um debate e pesquisa no computador. Só que eu não sei usar internet. Aí quando todo mundo foi pesquisar, eu sentei, peguei a caneta e escrevi o que tinha na cabeça. Pensei que ia perder, mas aconteceu o contrário".
Incentivo
Conciliando trabalho e estudo, Sineudo começou a estudar apenas para ganhar o diploma. Mas tudo começou a mudar com a Olimpíada de Língua Portuguesa, o texto sobre o "sonho nordestino" e as classificações nas etapas municipal, estadual e regional do concurso.  Para ele, participar é uma vitória: "com o texto, pude mostrar um pouco da vida do migrante nordestino". 
O texto acabou dando uma guinada na vida do estudante. "Quando vimos o texto dele percebemos que é único. Ele teve a oportunidade de tratar de um assunto dando o exemplo de vida dele mesmo, que saiu do Ceará porque ganhava R$ 12 por dia", diz Adriana Telles, diretora da escola de Sineudo. 
Para chegar à última etapa do concurso, Sineudo passou pela etapa municipal (com outros seis candidatos), estadual (concorrendo com 476 alunos), regional (com 127 semifinalistas) e final (com 38 alunos). Mas não ficou entre os ganhadores.
Com o concurso, o cearense ganhou uma viagem para Belo Horizonte (para as semifinais), uma para Brasília (para as finais, com direito a um tour pela cidade), um tablet, 225 reais em livros.
Perguntado sobre quais eram os "sonhos nordestinos" dele, Sineudo foi bem modesto. "Já quis sair da minha terra, comprar uma moto e até ser médico. Hoje, meu principal sonho é ter um emprego decente para que eu possa dar uma boa condição de vida para minha família", conta o, segundo ele mesmo, mais esforçado dos 152 finalistas da Olimpíada da Língua Portuguesa. 

O polêmico sonho nordestino em terra paranaense
Sineudo dos Santos*

O lugar onde vivo é uma pequena cidade do interior do Paraná com uma população de apenas 4.664 habitantes. Tamboara é uma cidade construída por mãos de muitos migrantes vindos de vários lugares do Brasil, principalmente de estados do Nordeste. De acordo com um recente levantamento divulgado pelo IBGE, o Paraná está entre os  três estados que mais perderam migrantes nos últimos anos. Mas é justamente o contrário disso que se verifica em Tamboara. Nos últimos cinco anos, o município tem recebido um número expressivo de nordestinos vindos dos estados da Bahia, Piauí e Ceará para o corte de cana.
Essa migração que ocorre aqui é a chamada migração temporária, pois os trabalhadores vêm para cá no pico da colheita da cana e depois voltam para seus estados de origem. Esse fato vem gerando polêmica entre a população tamboarense. Há aqueles que veem os novos moradores como intrusos. Argumentam que as empresas da região estão preferindo a mão de obra nordestina, tirando assim, as vagas daqueles "legítimos moradores" que trabalham no corte de cana. Porém, essa opinião não é unânime entre os cidadãos desse lugar.
Muitos tamboarenses acreditam que o aumento da população (mesmo que de forma temporária) representa desenvolvimento econômico para o município, já que esses trabalhadores da cana consomem boa parte do dinheiro que ganham no comércio local. Esse aumento de vendas do comércio é facilmente observado nos mercados, lojas, bares e lanchonetes em dias de pagamento das usinas. Os comerciantes locais afirmam que o movimento de venda tem crescido em torno de 20% de 2007 para cá.
Sou nordestino e sinto na pele essa polêmica. Há dois anos estou em Tamboara e já me considero parte dela. Defendo a ideia de que essa migração é benéfica tanto para os tamboarenses, quanto para nós, nordestinos. Não fossem pelas dificuldades em sobreviver em uma terra tão castigada pela seca, não deixaríamos para trás quem tanto amamos para trabalhar em terras tão distantes.
Há ainda outra preocupação da população com relação ao aumento de gastos nas áreas de educação e saúde por causa da migração. O vereador, e também funcionário da saúde, Ariovaldo Vieira Martinez avalia que o aumento pela procura por consultas tem aumentado em torno de 17% a 20%. Explica ainda, que esses novos moradores não aparecem nos dados do Censo, e por isso, não são contabilizadas no repasse da verba que o município recebe para área da saúde.
Sei que isso é uma realidade. Os trabalhadores nordestinos adoecem mais estando aqui por causa do ritmo intenso de trabalho e do clima mais frio que em seus estados de origem, e por isso, precisam recorrer à saúde pública. Porém, cabe aqui uma pergunta: O atendimento do SUS não é assegurado em todo território nacional? Defendo a ideia de que como brasileiros, temos direito a esse atendimento onde quer que estejamos.
Não sou especialista no assunto, mas penso que a solução para isso está nas mãos do governo federal que deveria prever que mesmo em menor número, as migrações internas no Brasil ainda continuam existindo. Portanto, os municípios brasileiros, que assim como, Tamboara, estão recebendo migrantes temporários deveriam receber verbas condizentes com suas atuais necessidades. Assim, esses trabalhadores deixariam de causar problemas para administração pública local.
Reafirmo que o nordestino é um povo sofredor. Muitas vezes, recebem uma diária de apenas 12 reais enquanto aqui, a diária é de 50. Não deixamos nossa terra porque queremos, mas por necessidade. Moramos em um país democrático. A Constituição nos permite o direito de ir, vir e morar onde são ofertadas melhores condições de trabalho para uma vida mais digna.

Cheguei nessa cidade na condição de migrante temporário. Deixei meus estudos, meus pais, minha história e minhas tradições em busca de um salário mais digno. No entanto, me encantei por esse meu novo lugar. Hoje tenho um coração dividido entre o a cidade de Jardim no Ceará e Tamboara, no Paraná. Posso afirmar com orgulho que sou cidadão tamboarense. Com a força do meu trabalho, quero progredir na vida e fazer progredir também essa terra que tanto amo.
 
Uol

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