Uma reportagem feita pelo Fantástico, ontem,
mostrou o escândalo dos funcionários fantasmas. Um levantamento feito em
Pernambuco constatou a existência de traficante condenado recebendo
salário, servidores morando a milhares de quilômetros do local de
trabalho e até mortos na folha de pagamento.
(No vídeo ao lado, assista à reportagem do Fantástico na íntegra)
Ao todo, 450 funcionários públicos estão enterrados em cemitérios de
Pernambuco. Os nomes deles aparecem numa auditoria do Tribunal de Contas
do Estado. Durante dois anos, os auditores estudaram as planilhas de
pagamento dos municípios pernambucanos.
A conclusão é de que, só nesse período, de 2009 a 2010, foram desperdiçados R$300 milhões em dinheiro público.
Mais de R$ 2 milhões, gastos em nome de gente que já morreu. No
levantamento do TCE, o Recife aparece com o maior número de casos: 65. E
o pior é que os fantasmas não estão só nos cemitérios.
Outros problemas
A administração do dinheiro público em Pernamubuco é assombrada por muitas outras irregularidades. O estado atingiu uma marca inacreditável: dos seus 184 municípios, 159 respondem a processos no Tribunal de Contas. São quase todos: 86% das cidades.
A administração do dinheiro público em Pernamubuco é assombrada por muitas outras irregularidades. O estado atingiu uma marca inacreditável: dos seus 184 municípios, 159 respondem a processos no Tribunal de Contas. São quase todos: 86% das cidades.
No município de Verdejante, no Sertão pernambucano, durante o período
investigado pelos auditores, a folha salarial da prefeitura traz o nome
de Severino Dantas de Sá, que é presidiário. Quando foi contratado
estava foragido.
Na época, Severino estava bem mais longe, a dois mil quilômetros de
distância da pequena Verdejante. Ele cumpria pena de sete anos de prisão
por tráfico de drogas, em Brasília, em regime semi-aberto. Em agosto de
2008 ele fugiu do presídio e só voltou dois anos depois quando foi
recapturado pela polícia.
Transferido para Salgueiro, a 35 quilômetros de Verdejante, Severino confirmou que foi funcionário público.
Repórter: O senhor trabalha pra prefeitura de Verdejante?
Severino: Não.
Repórter: O senhor já trabalhou pra prefeitura de lá?
Severino: Já.
Repórter: Em que período?
Severino: Trabalhei no período de 2009 até meados de outubro de 2010.
Repórter: O prefeito não tinha ciência de que o senhor deveria estar cumprindo pena quando foi contratado?
Severino: Não, não tinha ciência.
Severino: Quando eu fui recapturado, ele me demitiu imediatamente.
Ao tentar explicar o erro na contratação, o prefeito de Verdejante,
Haroldo Silva Tavares, acaba revelando uma prática que leva a tantos
casos de mau uso do dinheiro público no Brasil: o preso que virou
funcionário é primo dele. "Inclusive a própria família que é dele, é
nossa, dizia que ele não tinha mais problema na Justiça e eu não fui
averiguar mais a fundo", diz Tavares.
Para a cientista política Roseli Coelho, as fraudes contaminam todo o
serviço público brasileiro. “Você está esfregando na cara do funcionário
público que trabalha que ele é um idiota, que ele é um trouxa, que
outros mais espertos que ele tão ganhando o salário e não tão
trabalhando”, afirma.
ParáEm Belém, o Ministério Público investiga desde
2011 a contratação de fantasmas pela Assembleia Legislativa do Pará.
“Nós já detectamos neste primeiro momento, no primeiro levantamento,
perto de 100 funcionários fantasmas”, diz o promotor Arnaldo Azevedo.
O prejuízo já chega a R$ 20 milhões. Funcionários da Assembleia estão entre as 40 pessoas denunciadas.
O Ministério Público afirma que o golpe usava inocentes, gente que não
sabia que estava na folha de pagamento e que não se beneficiou da
fraude. Como Ivonete Silva. “Nunca recebi um centavo”, diz ela, que está
desempregada. Mas, na folha da Assembleia, Ivonete era assessora
especial e recebia mais de R$10 mil por mês.
O nome do vendedor Ricardo Rafael Monteiro da Silva também está na
folha de pagamento. Em nome dele, um salário de mais de R$ 15 mil. “Eu
ganho um salário mínimo e tem gente se aproveitando do meu nome”, diz
ele.
Em Belém, então, o desvio do dinheiro era feito com "laranjas", quer
dizer: pessoas que têm nome e documentos usados sem que elas saibam. O
salário, claro, era embolsado pelos golpistas.
"A todo momento se detecta uma pessoa que figurou nos quadros da
Assembleia como funcionário mas que nunca trabalhou, muitas não sabem
nem onde fica o prédio da Assembleia Legislativa", diz o promotor
Azevedo.
Mato GrossoMas nem sempre são laranjas. Em Cuiabá,
uma auditoria na folha de pagamento da Secretaria de Fazenda de Mato
Grosso encontrou 32 fantasmas. Trinta e um recebiam os salários, eram
coniventes com a fraude. Nenhum deles jamais trabalhou na secretaria.
Houve quem recebesse, em quatro anos, mais de um R$ 1 milhão. Total do
prejuízo: quase R$ 13 milhões. A polícia começa a investigar a fraude.
Mais problemas
Em Pernambuco, além de mortos que continuam a receber salários, o Tribunal de Contas descobriu outro descaso com o dinheiro do contribuinte. Você imagina que alguém possa morar a quase três mil quilômetros do emprego? A distância não é problema para a contratação de funcionários. As prefeituras pagam salários até para servidores que moram em estados que não fazem divisa com Pernambuco. São 3,8 mil contratados que não dão expediente, mas o o contracheque deles não falta.
Em Pernambuco, além de mortos que continuam a receber salários, o Tribunal de Contas descobriu outro descaso com o dinheiro do contribuinte. Você imagina que alguém possa morar a quase três mil quilômetros do emprego? A distância não é problema para a contratação de funcionários. As prefeituras pagam salários até para servidores que moram em estados que não fazem divisa com Pernambuco. São 3,8 mil contratados que não dão expediente, mas o o contracheque deles não falta.
Segundo o relatório, o prejuízo nesses casos foi de R$ 34 milhões em
dois anos. Mirandiba, no Sertão Pernambucano. Uma cidade como tantas
outras que precisam de serviços de saúde, de educação, de segurança. Mas
Mirandiba contrata servidores que moram longe.
Em Brasília, tentamos entrevistar Jorge Luiz Furtado de Sá. Ele aparece
como motorista na folha de pagamento de Mirandiba. Encontramos a casa
da família dele. A irmã estranha que Jorge tivesse emprego numa cidade
de Pernambuco.
Irmã: Lá de Mirandiba? Não, porque ele trabalhava aqui, como é que ele era funcionário lá?
E conta que o irmão deixou Brasília de repente.
Irmã: Eles juntaram as coisas, querida, e anoiteceu e amanheceu e foram embora, a família toda. Meu irmão, a mulher e os filhos.
Em São Paulo, a reportagem chegou mais perto de um dos fantasmas de
Mirandiba. Maria Clara da Silva é contratada como auxiliar de serviços.
Senhora: Chega correspondência dessa pessoa aqui, entendeu?
O produtor do Fantástico em São Paulo encontra uma pista de Maria Clara.
Produtor: Mas sempre chega correspondência dela aí?
Senhora: Maria Clara.
Produtor: E ela passa pra pegar?
Senhora: Para pegar.
A moradora indica o caminho da casa que seria de Maria Clara. Mas o
lugar está vazio. Por telefone, ela não quis explicar a situação.
Produtor: A gente precisa esclarecer, porque você tem um cargo lá e você não mora lá.
Maria Clara: Mas aí o meu advogado procura você e conversa com você.
Em Mirandiba, descobrimos que a mãe de Maria Clara trabalha no lugar dela.
Mãe: Ela adoeceu lá e está lá mas ela vem. E eu trabalho e recebo o dinheiro.
Outro ladoBartolomeu Tiburtino é prefeito de
Mirandiba desde 2009. Ele diz que as irregularidades começaram antes da
gestão dele. “E nós vamos tomar as medidas cabíveis pra poder contornar
essa situação”, afirma o prefeito.
As prefeituras foram notificadas pelo Tribunal de Contas para
apresentar as suas defesas. Algumas instauraram processos
administrativos para apurar as próprias irregularidades. Não há nenhuma
garantia de que os pagamentos irregulares foram suspensos.
Segundo o TCE, com os R$ 300 milhões desperdiçados em Pernambuco, seria
possível construir 1,2 mil postos de saúde. Ou 6,2 mil casas populares.
Ou ainda 167 novas escolas.
“Nós já denunciamos isso ao Ministério Público Federal. O Ministério
Público vai estudar e ver os indícios de improbidade e os indícios de
crime em relação a essas questões e efetivamente nós vamos solicitar de
forma firme a devolução desses recursos pelos responsáveis”, afirma a
presidente do TCE, Teresa Duere.
G1
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