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quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Cem anos sem Machado de Assis - O desbravador da alma humana


Inácio Andrade Torres*
(colaborador do Garimpando)

Pouquíssimos escritores conseguem, após 100 anos de sua morte, manter influência na sociedade e no meio acadêmico globalizado, sobremaneira em se tratando de escritores de língua portuguesa, a oitava mais falada do mundo, mas de convívio restrito e de uma larga passividade no meio científico. Machado de Assis obteve esse êxito. Para isso há muitas razões. Abaixo vão algumas delas.
Hoje, Machado de Assis é exemplo de um garoto resiliente. Pobre, alegre e travesso, órfão na infância, viveu crises, resistiu situações adversas, não se acomodou, buscou com desenvoltura ajuda fora da família para, junto dela, melhorar o conviver e a sobrevivência. Esse modo de viver ilustra e tipifica um conceito geral e dá uma idéia clara de resiliência para a época atual, logo, trata-se de retalhos de uma biografia fantástica e contributiva para as crianças contemporâneas, sobretudo as excluídas.
Por outra parte, a obra machadiana é um misto de felicidade e melancolia, grandeza e miséria, vida e morte. É heurística, laica, religiosa, profana e universal. Desvenda o amor como objeto de vida, paixão e finitude. Argumenta o conviver em campo de eticidade, emocionalidade, espiritualidade e intelectualidade. Em síntese, é um estudo da alma humana sobremaneira a feminina, portanto contribuição para entendimento da angústia, ansiedade, sofrimento, prazer e depressão – vicissitudes que estremecem a psicanálise.
Descreve o sentido de algumas atitudes humanas como laços afetivos de aproximação e/ou de afastamento com o outro próximo e o menos próximo e valoriza a necessidade de se cultivar capacidades sentimentais coletivas e altruístas para se desfrutar a plenitude da vida. Através de seus personagens ensina-nos caminhos e desvios que podem contribuir na redução e/ou até aumento de nossos problemas do dia-a-dia, instigando que o nosso “eu” anime-se e entusiasme-se para o enfrentamento dessas situações que, embora construam vicissitudes, são também colunas de promoção da saúde emocional e da arte de viver.

Isso pode não ser Psicologia pura, mas é a aplicabilidade do saber ser (pilar contemporâneo da educação pouco discutido e que se traduz como ética) de uma forma extraordinariamente pedagógica, instrutiva e indispensável na busca da felicidade.
Embora tenha injustamente recebido críticas severas, chegando a ser taxado de escravocrata, Machado de Assis nunca se eximiu de, com lucidez, equilíbrio e imparcialidade, emitir sua opinião sempre realista, distanciada da utopia e com a pregação de que o homem-povo-massa tanto quanto o político devem ser apologista da humildade afastada da subserviência.
Em nosso entendimento, o pensamento político de Machado de Assis pode ser resumido na seguinte reflexão: só o respeito ao outro eleva o espírito; só o estudo e a experiência favorecem o conceito da autoridade política; só a união permite o sucesso; só o trabalho consolidado pela humanização e respeito exalta os homens públicos.
Ele recomenda ainda que nunca devamos subestimar o coletivo em detrimento do individualismo, tampouco desdenhar a liberdade de consciência e os princípios que norteiam a justiça, a independência e a autonomia. Todo esse ensinamento machadiano pode ser utilizado na contemporaneidade, sobremaneira na política nacional que, recheada de crises e escândalos, poderia mirar-se nessas lições para construir um conceito justo e decente para os políticos e para o congresso da atualidade. Tudo isso se constitui em legado precioso e vivo que Machado de Assis oferta-nos cem anos após sua morte

*Inácio Andrade Torres. Colaborador. Odontólogo e professor da UFCG/ETSC. Campus de Cajazeiras, PB

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