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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Casa do Big Brother: liberdade e custódia



Inácio A. Torres

Gratificação vicária é a recompensa por algo que se faz espontaneamente. Servem de exemplo: uma ideia, uma aconselhamento, uma atitude, um gesto de bondade. É uma espécie de prêmio ou pagamento a quem realizou uma função, não importando a relevância. Esse termo também associa-se a um prêmio por um besteirol, uma inovação, um retrocesso, uma improvisação.

Vicário, por sua vez, significa o que faz às vezes de outrem ou de outra coisa. Diz-se ainda, Segundo Aurélio, do poder exercido por delegação de outrem.Um bom exemplo de gratificação vicária acontece na “casa mais vigiada do Brasil”.

Nela, os participantes, em busca de fama e de dinheiro, escravizam e são escravizados, pisam e são pisoteados, machucam e são machucados. Paradoxalmente enclausurados e, ao mesmo tempo, expostos ao público diuturnamente, tornam-se “presidiários” espontâneos que brigam por estalecas (dinheiro), concorrem o tempo todo por comida e por uma liderança que realisticamente nada lidera.

Resultado: alienam-se e meteoricamente tornam-se “famosidades ou celebridades”. Trancados e esquecidos da vigilância, soltam o verbo e narram, sem acanhamento ou por ingenuidade, fatos sigilosos de seu repertório de vida, magoando às vezes seus entes queridos daqui de fora. Alguns participantes, sem cerimônia, desconsiderando amigos, familiares e até companheiros (as), oferecem-se intimamente como se não fossem vistos.

Traem a mente e o coração. Mentem e falseiam escancaradamente. Abstêm-se de fumar ou iniciam-se no vício. Alguns privam-se de sexo, outros divulgam a orientação sexual, mas tratando-se de sexualidade, todos demonstram inúmeros preconceitos. Grande parte fala sobre a família revelando lembranças e saudades. Alguns deliram, imaginando-se serem atores e atrizes, mas entretém pouco o público, porque não há uma metodologia nem preparação para isso.

O roteiro é a vida de cada brother e sister. Tudo é improviso e em cada cena o ator não pode vacilar, porque nesse filme tudo é rápido e perigoso. Existe sempre uma câmera “espiando”. Ali mostrar a vida pessoal ou profissional pode ser sorte ou azar. Naquele ambiente a luz pode tornar-se sombra, e o esplendor, uma frustração.

Daí, em nossa opinião, a necessidade de uma preparação antecipada para quem deseja entrar na “casa mais vigiada do país”, cujo conteúdo ensine ao candidato como suscitar bons pensamentos, como proteger as emoções fortes, como transformar perdas em experiências, como superar crises, como enfrentar a solidão e como avaliar as novas oportunidades oferecidas pelo “show” e como após sair da clausura retornar a realidade.

De fato, autoencarcerados, ora vivendo como escravos e escravas, ora como reis e rainhas, afastadas do convívio social e familiar, todos esses brothers e sisters perdem-se no tempo, no espaço e na causalidade.  Isolados, sem esclarecimento do que ocorre aqui fora, ele e elas não sabem se estão caminhando para o glamor ou para a sepultura da fama.
        
Ainda bem que todos são adultos e independentes. E mais: antes de entrarem, tomam conhecimento das normas do jogo, pois só depois de bem esclarecidos, assinam o termo de consentimento da participação.

O jogo exige preparo físico, emocional, intelectual e espiritual. Mesmo para os que tenham essas habilidades, ainda assim é preciso tomar cuidado para não acabar – salvo raríssimas exceções – como alguns participantes do passado, cuja vida proclamada na telinha, parcialmente assemelhava-se ao personagem da belíssima poesia “Fim da casa paterna” de nosso poeta maior Carlos Drumond de Andrade, transcrita abaixo.

“Vou dobrar-me
À regra nova de vida.
Ser outro que não eu, até agora
Musicalmente agasalhado
na voz de minha mãe, que cura doenças,
escorado no bronze de meu pai, que afasta raios.

Ou vou ser – talvez isso – apenas eu
unicamente eu, a revelar-me
na sozinha aventura em terras estranhas?
Agora me retalha
O canivete desta descoberta:
Eu não quero ser eu, prefiro continuar
objeto de família”.


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