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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Igreja da Penha

MARCUS ARANHA
             


         Em 1713, no topo da falésia que continua limitando a praia depois do Cabo Branco, os portugueses construíram uma capelinha em homenagem a N.S. da Penha, feita em pedra, com eira e beira. Reformada e ignorantemente pintada com esmalte sintético, a igrejinha sobrevive até hoje.
Um dia, na noite perdida dos tempos, alguém pediu uma graça um tanto impossível a Senhora da Penha; foi atendido e alardeou o “milagre” aos quatro ventos. Mais graças foram alcançadas e o local foi se tornando ponto de visitação de fiéis que pedem algo a Senhora da Penha e lhe fazem promessas.
Daí às romarias foi um pulo. Caminhões vêm do interior do Estado cheios de romeiros; uns fazem suas súplicas, outros já atendidos vêm agradecer a santa. Hoje há a 246ª. romaria, procissão trazendo a Santa do centro da cidade até a praia da Penha
Com tantos pedidos atendidos pela Santa, surgiu em 1953 a Sala dos Milagres, construída nos fundos da igrejinha; lá são depositadas as “provas” das graças alcançadas. Fui visitar a Igreja e a Sala, pois eu ando a precisar de um milagre.
Sobre balcões, feitos em cera, madeira ou outro material, cabeças, mãos, pés, braços, pernas, corações, olhos e até dentes. É a representação de órgãos atingidos por doença, curada com a intercessão da Santa. Sobressai uma radiografia do crânio onde o dono dela agradece pela cura de uma imensa dor de cabeça. E muletas, bengalas, óculos, próteses e coletes ortopédicos, objetos elucidativos do mal que atingia aqueles que os usavam antes do milagre operado pela santa.
Uma caixa vazia de “Tegretol suspensão”, remédio utilizado em epilepsia infantil, deixa bem claro como ficou agradecida a Senhora da Penha, a mãe da criança que deixou de vê-la ter convulsões.
E é uma garrafa de cachaça vazia com a frase “pela graça alcançada” escrita a mão no rótulo, que me leva a suposição que ela deve ter sido levada ali pela esposa que viu a Santa operar o milagre de fazer o marido deixar de beber.
Mas a Sala dos Milagres apresenta outras “graças” alcançadas, estatuetas rústicas de vacas, bois, carneiros e até um cachorro, o que mexeu com minha imaginação: a angústia do camponês que vendo a vaquinha leiteira muito doente, suplicou a santa salvar seu único patrimônio, que lhe ajuda a alimentar os filhos. E tendo seu pedido atendido veio agradecer trazendo a representação do seu muito estimado bicho.
E quem sabe, o menino vendo seu cachorro fugido e desaparecido, pede a Senhora da Penha que o faça voltar. E com o cãozinho nos braços ele foi depositar um cachorrinho de barro junto aos outros “milagres”, sorrindo, rezando e agradecendo a Santa pela volta do companheiro de folguedos.
Mas o que me impressionou mesmo foi a quantidade de casas, amontoadas sobre um balcão, muitas e muitas delas com a mesma inscrição: “pela graça alcançada”.          
Casinhas feitas com madeira, papelão, isopor, vidro, palito de picolé, barro cozido, louça, conchas do mar, cera, canudos de refresco, plástico e outros materiais. Dezenas de casas, cada uma delas pertencente a um pagador da promessa feita a Santa.
Taí... A cidade está repleta de favelas, amontoados de barracos miseráveis.
No momento em que o Governo alardeia o programa “Minha Casa, Minha Vida”, quem quiser saber que porcaria é a política habitacional deste país vá à Sala dos Milagres da Igreja da Penha. Lá está a prova que, para a maioria da população, a casa própria é somente um sonho, uma súplica angustiada às divindades.
Para os poucos que conseguem, ela é um verdadeiro milagre.


Publicado em o CORREIO DA PARAÍBA de 29 de novembro de 2009
Foto:cmjp.pb.gov.br

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