A primeira
vez que vi Ronaldo Cunha Lima aconteceu em Patos, no Fórum Miguel Sátyro,
durante um júri popular. Depois, durante uma festa universitária na mesma
cidade, assisti-o proferir uma palestra sobre Augusto dos Anjos. Nesse mesmo
evento, estiveram presentes Raimundo Asfora e Vital do Rego, dois outros
políticos e advogados que enaltecem a Paraíba.
A parti daí passei a admirá-lo mais ainda, quer como poeta quer como estrategista político e orador de memória prodigiosa. Mas foi em Cajazeiras, no início dos anos oitenta que, com a ajuda do nosso inesquecível Bosco Barreto, fomos apresentados pessoalmente a Ronaldo. Depois ganhamos dele um CD autografado com seus poemas, que guardamos com muito cuidado e respeito.
A parti daí passei a admirá-lo mais ainda, quer como poeta quer como estrategista político e orador de memória prodigiosa. Mas foi em Cajazeiras, no início dos anos oitenta que, com a ajuda do nosso inesquecível Bosco Barreto, fomos apresentados pessoalmente a Ronaldo. Depois ganhamos dele um CD autografado com seus poemas, que guardamos com muito cuidado e respeito.
Porém de sua
vasta obra, temos conosco, presente de um amigo de infância, Adalberto Bernardo
(in memória), o poema “habeas pinho” (manuscrito), o qual, costumeiramente,
jovens de nossa época declamavam. O Dr. Nilson Batista (in memória),
Bioquímico, músico e compositor patoense consagrado era um declamador desses.
Esse poema
retrata um cenário de uma noitada de boemia, quando um grupo de jovens fazia
uma serenata e acabaram sendo presos. No amanhecer do dia foram liberados,
porém o violão ficou “detido”. Esse fato chegou ao conhecimento do famoso
advogado e poeta Ronaldo Cunha Lima, que resolveu enviar uma petição ao Juiz da
Comarca, em versos, na qual solicitava a liberação do instrumento musical. Numa
homenagem ao grande poeta, político e advogado paraibano, transcrevemos abaixo
esse documento e a resposta do juiz também escrita em versos.
Ronaldo é
membro da Academia Paraibana de Letras.
O
instrumento do "crime" que se arrola
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.
Nesse processo de contravenção
Não é faca, revolver ou pistola,
Simplesmente, Doutor, é um violão.
Um violão,
doutor, que em verdade
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
Não feriu nem matou um cidadão
Feriu, sim, mas a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é
sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.
Instrumento de amor e de saudade
O crime a ele nunca se mistura
Entre ambos inexiste afinidade.
O violão é
próprio dos cantores
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.
O violão é
música e é canção
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.
É sentimento, é vida, é alegria
É pureza e é néctar que extasia
É adorno espiritual do coração.
Seu viver,
como o nosso, é transitório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Mas seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Ele, Doutor,
que suave lenitivo
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão.
Para a alma da noite em solidão,
Não se adapta, jamais, em um arquivo
Sem gemer sua prima e seu bordão.
Mande
entregá-lo, pelo amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno acoite
De suas cordas finas e sonoras.
Liberte o
violão, Doutor Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime,
afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado
Derramando nas praças suas dores?
Mande, pois,
libertá-lo da agonia
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.
(a consciência assim nos insinua)
Não sufoque o cantar que vem da rua,
Que vem da noite para saudar o dia.
É o apelo
que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.
Na certeza do seu acolhimento
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, enfim, deferimento.
A resposta do Juiz Roberto Pessoa de Sousa:
Recebo a
petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.
Emudecer a
prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Que seja
Sol, ainda que a desoras,
E volte à rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
E volte à rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato
for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.
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