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segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Cirurgião dentista patoense fala ao Garimpando sobre a saúde bucal do brasileiro



Inácio Andrade Torres, natural de Patos-PB, é graduação em odontologia, com residência em cirurgia e traumatologia buco-maxilo-facial e mestrado em estomatologia pela Universidade Federal da Paraíba. É pós-graduado ainda em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Osvaldo Cruz e UFPB, além de gerontologia pelo Núcleo Integrado de Estudos sobre Terceira Idade. É ex-professor concursado da UFPB e atualmente professor da Universidade Federal de Campina Grande, Campus de Cajazeiras.
Autodidata, tem vários artigos publicados em revistas especializadas na área da saúde e educação e é autor do livro Manual de prevenção e diagnóstico precoce do câncer de boca e O novo vestibular – um guia de auto-ajuda para vencer, ambos com tiragem de várias edições pela Editora Universitária da UFPB. Nessa entrevista concedida ao Garimpando Palavras, ele presta vários esclarecimentos sobre a saúde da boca.

Garimpando – Que análise o senhor faz da odontologia brasileira atual e, já que estamos às portas do vestibular 2009, o que diria para os vestibulandos que pretendem fazer esse curso?
Inácio Andrade: A odontologia brasileira atual, como ciência, demonstra avanços e inovações, sendo tecnicamente reconhecida no mundo inteiro. Todavia, do ponto de vista social, deixa a desejar, já que comprovadamente não oferece uma cobertura justa à população pobre.
Com o programa Brasil Sorridente, do atual governo federal, verifica-se alguma melhora, mas ainda há muito que se fazer no setor. Essa situação é uma contradição, já que temos mais de duzentos cursos e mais de duzentos mil profissionais espalhados pelo país. Sobre a escolha do curso, recomendo ao candidato que só o faça se antes construir uma aproximação, uma afinidade, ou algo que realmente lhe sensibilize.
Para isso é importante tomar conhecimento das dezenove especialidades que a profissão oferece, saber como anda o mercado de trabalho, conversar com odontólogos bem sucedidos e não bem sucedidos e visitar serviços e escolas. Esse conjunto poderá dar um norte, uma melhor visibilidade para a escolha profissional, fato que na vida dos humanos significa um momento difícil e de grande responsabilidade. Quem já passou por isso sabe bem do que estou falando.

Garimpando: Como uma pergunta puxa a outra, em poucas palavras como o senhor analisa a saúde bucal no Brasil e, especificamente, na Paraíba?
Inácio Andrade - Já foi caótica do ponto de vista social. Com os novos projetos e programas, como disse antes, tem melhorado. Contudo, ainda há muito que se fazer. É o próprio IBGE que reforça esse nosso argumento. Segundo esse órgão, 20% dos brasileiros nunca foram ao cirurgião dentista. Pior ainda, 14% dos adolescentes e 3% dos adultos nunca foram ao CD. O Nordeste, lamentavelmente, tem o maior índice de pessoas que nunca foram a um serviço de odontologia. Diante do mundo ainda não conseguimos convencer de que não somos um país de banguelas. Na Paraíba, esse quadro não é diferente, basta você andar na periferia e reparar na fisionomia das pessoas. Embora, repito, tenha melhorado nos últimos tempos.

Garimpando: O SUS, através do Programa Saúde da Família, tem concretamente melhorado a saúde bucal do Brasileiro?
Inácio Andrade - Em parte sim. Mas não se pode realçar somente a situação da cárie no âmbito da saúde bucal. É preciso ampliar a discussão nessa área, pois a odontologia diagnostica e trata de doenças da boca e órgãos anexos. Noutras palavras, a saúde bucal é fator contributivo para a saúde geral das pessoas. Daí porque há necessidade de se trabalhar melhor a saúde bucal da gestante, valorizar o papel da mãe nos padrões de comportamento da criança, sensibilizá-la para a prática de ações educativo-preventivas para elas mesmas e extensivas às crianças, estimular a prática do aleitamento materno, pois o leite humano contém flúor na sua composição. É preciso trabalhar melhor a saúde bucal nos ciclos de vida, desde o bebê até o idoso. O Ministério da Saúde preconiza isso em seus projetos, mas, na prática, pouco se vêem esses procedimentos.

Garimpando: O que o Sr. considera de relevante ou qual a receita para promover a melhoria da saúde bucal no setor público?
Inácio Andrade: A receita existe desde que o SUS foi criado há 20 anos, pois o nosso sistema de saúde, mesmo com suas imperfeições, não se pode dizer que não seja justo, humano e comprometido com a população. A prova maior é que vários países do mundo copiam esse modelo, sobretudo a figura do Agente Comunitário de Saúde. Depois, com a criação do PSF e inserção do cirurgião dentista nesse programa, pensou-se que iríamos alcançar a situação desejável.
Já avançamos muito e, se não chegamos a essa situação, não faz sentido procurar culpados por isso, pois esse problema envolve os quatro pilares do SUS, ou seja, as instituições formadoras dos profissionais da Odontologia, os serviços, o controle social – representado pelos Conselhos de Saúde em níveis municipal, estadual e nacional e os gestores, estes, em sua grande maioria sem o perfil exigido pelo PSF e sem autonomia nos cargos que ocupam.
Em resumo, precisamos sensibilizar todos os trabalhadores da saúde a vestirem a camisa do PSF e isso não acontece facilmente, demanda tempo, construção de uma vontade política sólida, do acordar de consciências coletivas, da correta educação popular em saúde, da conscientização dos gestores e trabalhadores quanto ao papel que exercem na sociedade e de sua relevância social. Particularmente, tenho a crença de que alcançaremos isso. Boto muita fé, mas é preciso que lutemos para que isso aconteça.

Aguardem, em breve continuidade dessa entrevista.

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