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segunda-feira, 9 de março de 2009

Santa Intolerância!

"Não vim para condenar o mundo”(Palavras de Jesus, segundo João, 12)

(Eduardo Varandas Araruna)

Não tem como eu me calar! Prefiro ser condenado pela minhas ações, gritos e murmúrios, ainda que desvairados ou vacilantes, a receber a pecha de omisso e inerte. A omissão é um dos mais qualificados pecados do homem, porque é irmã da covardia e prima da hipocrisia.
Não pude crer, quando vi, no Jornal da Globo (25/02/2009), a punição aplicada pela arquidiocese ao padre-deputado Luiz Couto. Para completar a minha noite insone, no mesmo dia, “zapeando” os canais da TV a cabo, deparo-me com Sua Excelência Reverendíssima, o arcebispo metropolitano da Paraíba, na TV Master, justificando o teor da reprimenda.
Segundo a arquidiocese, Luiz Couto teria defendido o uso de preservativos e a criminalização da homofobia, além de baldoar contra o celibato, contrariando assim o discurso de Roma, em matérias polêmicas.
Li, com bastante atenção a entrevista que causou toda a celeuma eclesiástica (Jornal O Norte, 25/02/2009). Nela, o deputado-padre posiciona-se de fato em favor do uso do preservativo, como elemento indispensável à saúde pública e argumenta que o celibato não constitui uma regra bíblica, mas uma imposição decorrente do concílio de Trento, no século XVI. Quanto aos homossexuais, justificou seu voto em favor da criminalização da homofobia no sentido de que “a consciência, a fé e a sexualidade da pessoa têm de ser algo importante em sua orientação de vida” (sic).
Também observei a decisão punitiva da arquidiocese e todos os “trocentos” pronunciamentos de D. Aldo Pagotto na imprensa escrita e televisiva. A verdade é que, com fulcro no cânon 1317, Luiz Couto foi suspenso de suas funções sacerdotais.
Não tenho a intenção de questionar o ato disciplinar imposto pela cúria, sob o ponto de vista do Direito de Canônico e das normas interna corporis da instituição católica. Se o fizesse, incorreria no mesmo açodamento que o próprio D. Aldo incidiu quando, num arroubo de parcialidade imoderada, criticou a postura jurídica do TSE na cassação do ex-governador Cássio Cunha Lima.
Todavia, vivemos num Estado Democrático de Direito, nominalmente laico. Isso é o quantum satis para que qualquer cidadão possa levantar a voz contra a injustiça, a insensatez ou a irrazoabilidade, ainda que vindas de uma instituição que se arvora no poder divino e absoluto de julgar.
A punição aplicada a Luiz Couto lembrou-me, em muito, o voto de silêncio acoimado a Leonardo Boff, um dos maiores teólogos da modernidade, pelo então Cardeal e hoje Sumo Pontífice Joseph Ratzinger, na época, prefeito da Congregação da Doutrina da Fé (o Tribunal da Santa Inquisição com nova roupagem).
Era inegável o fato de que Boff era um dos mais brilhantes e vivos membros da igreja e, por discordar do fundamentalismo católico, sofreu tamanha perseguição que se desligou da instituição definitivamente.
Couto e Boff têm algumas similitudes. A influência do marxismo, reformulado à luz da fé pela teologia da libertação, e o compromisso com a dignidade do homem pobre foram os pontos que possivelmente os tornaram sacerdotes. A postura calma, tranqüila mas absolutamente abnegada, incansável e missionária também os aproxima de um elo comum.
A voz de Boff foi ouvida nas universidades, nas comunidades de base e nos conflitos agrários. A de Couto hoje é ecoada no parlamento federal em defesa da dignidade humana que se apresenta aviltada pelos grupos de extermínio.
Para mim, isso é cristianismo in natura. É o homem como instrumento do amor de Deus e fonte de semeadura da mais autêntica caridade. Aliás, é a sagrada escritura, também na tradução católica, quem vaticina que dentre a fé, a esperança e a caridade, a mais importante delas é a última (I Coríntios 13,13).
É de valorosa coragem de um membro do clero, cônscio da gravidade da AIDS que dizima milhões pessoas, na condição de deputado, questionar a postura da sua igreja em não admitir o uso de preservativo. Até porque, na ocasião, o assunto não era religiosidade cristã, mas saúde pública.
Não vi o Padre Couto defender a homossexualidade algures ou alhures. Na verdade, condizente com a sua condição de cristão autêntico, votou em favor da lei que garante um pouco mais de dignidade ao ser humano homossexual, livrando-o dos jugos sociais e da discriminação. Postura idêntica, mutatis mutandis, foi a do Nosso Senhor Jesus Cristo ao impedir o apedrejamento da meretriz pelos fariseus.
No que concerne ao celibato, existe uma discussão teológica profunda dentro da própria igreja católica, até porque todos sabem que tal imposição não é bíblica, fato este, per se, já deveria possibilitar que os religiosos refletissem sobre o tema e o discutissem publicamente, ainda que submetidos, na prática, à regra da abstinência sexual.
Assim, as palavras lúcidas do Padre Luiz Couto, na entrevista do Jornal O Norte, não confundiram a comunidade católica. Ao revés, trouxeram-lhe luzes para atestar a prepotência da igreja e provar à cristandade que nenhuma organização religiosa jamais se confundirá com o consolo do Espírito Santo de Deus e com o amor puro e pleno conclamado por Jesus Cristo.

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