
O bispo da Diocese de Barra, na Bahia, Dom Luiz Flávio Cappio respondeu carta enviada pelo arcebispo da Paraíba, Dom Aldo de Cillo Pagotto, sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. No texto, com relação as obras ele ressalta que "o Sr. (Dom Aldo Pagotto) e outras lideranças esclarecidas que o defendem deveriam contar ao povo toda a verdade sobre esse projeto".
Dom Cappio (foto) frisa que a população não está sendo informada correntamente sobre "suas (do projeto) reais finalidades, custos, mecanismos de cobrança pela água, traçados distantes dos sertões mais secos, interesses mercantis, etc".
Confira a carta de Dom Cappio a Dom Aldo Pagotto na íntegra
"Paz e Bem, Recebi sua "Nota Carta" e, por respeito ao Sr. e pela oportunidade de esclarecer aos irmãos e irmãs paraibanos os significados de meu gesto, eu a respondo.
1- Concordo que nossa vida a Deus pertence e não temos o direito de tirá-la. Exatamente porque a minha não me pertence e sim a Deus, pois a ele já a entreguei há muito tempo, é que a ofereço pela vida de muitos. Não a estou tirando, apenas jejuo e rezo, como é da tradição bíblica e cristã, por tempo indeterminado, disposto a ir até o fim. Primeiro, direcionado a Deus, Senhor da Vida e da História, como sacrifício, para que Ele se compadeça de nós e mude o coração de homens cegados pelo poder e pelo dinheiro. Segundo, direcionado aos governantes deste país, como legítima forma de ação de um cidadão, esgotadas e infrutíferas todas as tentativas anteriores de amplos setores da sociedade fazerem-se ouvir e respeitar. É um gesto pessoal, mas de significado coletivo.
2- Se conhece a minha vida, sabe que meu comportamento atual não é nada mais que coerência irreformável com toda a minha trajetória de franciscano, padre e bispo a serviço da defesa e promoção da vida. Isso quis expressar em meu lema de bispo "Para que todos tenham vida" (Jo 10,10).
3- A Santa Sé, através do Núncio Apostólico, de fato me "pediu" que não lançasse mão do recurso da greve de fome. Tratou-se de apenas um "pedido". Quanto à expressão "greve de fome", usei-a da outra vez porque mais conhecida e por seu significado político. Desta vez, prefiro que seja "jejum e oração permanentes".
4-Quanto ao projeto de transposição, o Sr. e outras lideranças esclarecidas que o defendem deveriam contar ao povo toda a verdade sobre esse projeto, suas reais finalidades, custos, mecanismos de cobrança pela água, traçados distantes dos sertões mais secos, interesses mercantis, etc, etc. Esse projeto não é solução, será mais problema. Continuar, a essa altura, insistindo no velho "discurso da seca", pregando um "populismo hídrico", a serviço da antiga "indústria da seca", agora moderno "hidronegócio", é um desserviço ao povo e uma perversão de nossa missão de pastores. O mérito aqui em questão não é técnico, é pastoral, pois "ovelhas" em risco cobram a solicitude do Bom Pastor. Foi assim que os bispos nordestinos, há quase 60 anos, com competência pastoral e apoio técnico, provocaram a criação da SUDENE.
5- O projeto de transposição não vai trazer verdadeiro desenvolvimento. A propaganda da irrigação no próprio Vale do São Francisco esconde a face dos danos sociais e ambientais e mesmo os sucessos econômicos são relativos, não é modelo a se propagar, precisa ser revisto urgentemente. Por que não fazem o mesmo empenho pelas 530 obras do Atlas Nordeste da ANA – Agência Nacional de Águas e pelas mais de 140 tecnologias da ASA e da EMBRAPA? Essas, sim, são soluções reais e bem mais baratas, resolvem o déficit humano de água nas cidades e promovem o desenvolvimento apropriado às diversidades rurais do semi-árido, sem ônus ao já tão sofrido povo nordestino e ao meio ambiente.
6- A voz do Espírito do Senhor sopra aonde quer (cf. Jo 3,8) e no clamor do povo ele exige que sejamos "simples como as pombas e espertos como as serpentes" (Mt 10,16).
Aceite meu abraço, extensivo a todas as irmãs e irmãos paraibanos,
+ Luiz Flávio Cappio
Bispo da Diocese de Barra – BA"
Fonte: Portal O Norte
foto:efraimneto.zip.net
O Garimpando Palavras estranha muito o comportamento do bispo diocesano de Barras-BA, Luiz Flávio Cappio. Primeiramente por ser um representante de uma entidade, como é a Igreja Católica, que tanto luta para que os que sofrem mais intensamente os graves problemas brasileiros possam gozar de plena cidadania. A autoridade eclesiástica talvez não tenha comparecido às inúmeras audiências em torno do projeto de transposição das águas do Velho Chico, já bastante esmiuçado. Não sei se esse côro que ele faz esteja atrelado a interesses pessoais, de grupos econômicos, políticos, não queremos acreditar nisso, ou se trata apenas de pura ignorância ou má vontade de se unir às forças atuantes para que 0s 12 milhões de cidadãos do semiárido possam ter acesso à água de beber, possam plantar e colher para sobreviver. Historicamente as conseqüências do ciclo das estiagens sempre foram fatores preponderantes para acentuar o êxodo que já expulsou tantas e tantas famílias de seu habitar, arrancando-lhe a identidade, a raíz cultural.
Fome e sede são sensações humilhantes que fazem parte, ainda hoje, do cotidiano de milhões de nordestinos, tão esquecidos pelas políticas públicas de nossos sucessivos governos. O referido bispo, que já fez greve de fome e queria fazê-la novamente em protesto contra a transposição, não o fez atendendo pedido s do Vaticano. Ele permanece ovelha negra da Igreja Católica, que o diga Dom Aldo Pagotto, cujos bispos, em carta, fecharam acordo em apoio e luta pela transposição do São Francisco. O Garimpando Palavras, em respeito aos nordestinos, que há mais de século sonha com a concretização desse projeto, estará sempre pronto para lutar por essa bandeira, por acreditar que a interligação de bacias possa reverter o triste quadro social que impera em nossos sertões. Resta-nos torcer para que o projeto siga em frente e gere aquilo que está em seu teor. Mas o debate está aberto. Cada um tem uma visão diferenciada sobre o assunto.