Inácio A. Torres

Vicário, por sua vez, significa o que
faz às vezes de outrem ou de outra coisa. Diz-se ainda, Segundo Aurélio, do
poder exercido por delegação de outrem.Um bom exemplo de gratificação vicária
acontece na “casa mais vigiada do Brasil”.
Nela, os participantes, em busca de fama
e de dinheiro, escravizam e são escravizados, pisam e são pisoteados, machucam
e são machucados. Paradoxalmente enclausurados e, ao mesmo tempo, expostos ao
público diuturnamente, tornam-se “presidiários” espontâneos que brigam por
estalecas (dinheiro), concorrem o tempo todo por comida e por uma liderança que
realisticamente nada lidera.
Resultado: alienam-se e meteoricamente
tornam-se “famosidades ou celebridades”. Trancados e esquecidos da vigilância,
soltam o verbo e narram, sem acanhamento ou por ingenuidade, fatos sigilosos de
seu repertório de vida, magoando às vezes seus entes queridos daqui de fora.
Alguns participantes, sem cerimônia, desconsiderando amigos, familiares e até
companheiros (as), oferecem-se intimamente como se não fossem vistos.
Traem a mente e o coração. Mentem e
falseiam escancaradamente. Abstêm-se de fumar ou iniciam-se no vício. Alguns
privam-se de sexo, outros divulgam a orientação sexual, mas tratando-se de
sexualidade, todos demonstram inúmeros preconceitos. Grande parte fala sobre a
família revelando lembranças e saudades. Alguns deliram, imaginando-se serem
atores e atrizes, mas entretém pouco o público, porque não há uma metodologia
nem preparação para isso.
O roteiro é a vida de cada brother e
sister. Tudo é improviso e em cada cena o ator não pode vacilar, porque nesse
filme tudo é rápido e perigoso. Existe sempre uma câmera “espiando”. Ali
mostrar a vida pessoal ou profissional pode ser sorte ou azar. Naquele ambiente
a luz pode tornar-se sombra, e o esplendor, uma frustração.
Daí, em nossa opinião, a necessidade de
uma preparação antecipada para quem deseja entrar na “casa mais vigiada do
país”, cujo conteúdo ensine ao candidato como suscitar bons pensamentos, como
proteger as emoções fortes, como transformar perdas em experiências, como
superar crises, como enfrentar a solidão e como avaliar as novas oportunidades
oferecidas pelo “show” e como após sair da clausura retornar a realidade.
De fato, autoencarcerados, ora vivendo
como escravos e escravas, ora como reis e rainhas, afastadas do convívio social
e familiar, todos esses brothers e sisters perdem-se no tempo, no espaço e na
causalidade. Isolados, sem esclarecimento do que ocorre aqui fora, ele e elas
não sabem se estão caminhando para o glamor ou para a sepultura da fama.
Ainda bem que todos são adultos e independentes. E mais: antes de
entrarem, tomam conhecimento das normas do jogo, pois só depois de bem
esclarecidos, assinam o termo de consentimento da participação.
O jogo exige preparo físico, emocional, intelectual e espiritual. Mesmo
para os que tenham essas habilidades, ainda assim é preciso tomar cuidado para
não acabar – salvo raríssimas exceções – como alguns participantes do passado,
cuja vida proclamada na telinha, parcialmente assemelhava-se ao personagem da belíssima poesia “Fim da casa paterna” de nosso poeta maior Carlos Drumond de Andrade, transcrita abaixo.
“Vou dobrar-me
À regra nova de vida.
Ser outro que não eu, até agora
Musicalmente agasalhado
na voz de minha mãe, que cura doenças,
escorado no bronze de meu pai, que afasta raios.
Ou vou ser – talvez isso – apenas eu
unicamente eu, a revelar-me
na sozinha aventura em terras estranhas?
Agora me retalha
O canivete desta descoberta:
Eu não quero ser eu, prefiro continuar
objeto de família”.