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terça-feira, 13 de outubro de 2009

UM POEMA DE GIZ




Por Misael Nóbrega de Sousa
 A vida arrebata os anos – Não estou dizendo nada de excepcional – Porém, tenho direito a parcimônia. E, aos quarenta anos de idade, que agora completo, em plena agilidade cerebral, sinto que tudo me falta. Nunca entendi o porquê das horas. A referência das fases primeiras se foi com os apegos frívolos da época. Digo isso sem nenhum constrangimento. O espaço é o que importa. Cabelos brancos não são indícios de depauperamento. Mais parecem rios de caminhos sinuosos – que não delegam escolha alguma. Teimamos em nos imaginar decrépitos – antes que o corpo demova os tecidos novos. E isso é também fraqueza. Fazer do tempo um algoz é violar o próprio medo. Nunca vemos pelo espelho o nosso rosto. O que reflete, de fato, é a nossa alma. E ela aquilata. Diz-nos do que se constitui o tempo. Exige a meditação. Porém, por sermos miúdos, ignoramos isso. Não alcançamos o esmero do instante, que sempre se transforma em milagre. As rugas sugerem que há felicidade. Em cada uma delas, uma dor correspondente. Quando estiver preenchido de cicatrizes, assim terei na face, não o conceito da longevidade, mas a certeza da perseverança, - e o fim de todos os temores. Não haverá mais tempo. Terei, portanto, um encontro comigo mesmo. A verdade da libertação da carne – O peso de todos esses ossos – A fealdade como testemunha – A indiferença dos outros – A solidão e a degeneração - A doença e o castigo da morte. O fim... - Não o trágico ou o melancólico, mas o pontual. E tudo deixará de existir. O desaparecimento da imagem física, concomitantemente à decomposição da matéria, e o esquecimento dos pares... O que termina sendo um grande projeto. É uma pena que os sonhos sejam segredados pelos deuses. A nós, apenas o dolo. Não há algo de tão valioso que mensure o propósito da vida, principalmente no tocante ao balizamento da idéia de procriar; pois apenas viver é um tanto precário. Chega a ser cruel. O altruísmo é um engodo. A busca individual é o caminho cada vez mais percorrido, mesmo sendo abstruso. E ela é condição sine qua non. A dor é outra verdade; e é também atributo indissociável. Livres, nunca seremos. Mesmo os mais impossíveis. Ninguém se permite velho. Há mais chantagem do que apodrecimento; digo até criatividade... – na forma que se apresenta a cada primavera – mesmo em sendo menos promissora. Não é doença ser velho. Já bastam a vergonha, a obediência e o cansaço de todos os pêndulos. No fim do dia serei o meu confessor – rezarei todas as orações... - e acordarei menino. No dia em que tudo for consumado, deixem-me como herança uma flor de mato, e em plena lápide, um poema de giz.

 Professor e jornalista

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