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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES



Sara do Nascimento Andrade*

A palavra Violência, originada do latim violentia significa o ato de violentar abusivamente contra o direito natural, exercendo constrangimento sobre determinada pessoa por obrigá-la a praticar algo contra sua vontade. Conforme a Organização Mundial de Saúde é o uso intencional de força ou poder físico, como ameaça ou concretamente, contra si mesmo, outra pessoa, um grupo ou comunidade, causando ou possibilitando lesões, morte, danos psicológicos ou privações.
Estima-se que no ano de 2000, no mundo, um milhão e seiscentas mil pessoas morreram vítimas de violência, o que representa uma taxa de 28,8 por 100.000 habitantes. No Brasil, calcula-se que aproximadamente 600 mil crianças/adolescentes são vítimas das diversas formas de violência doméstica, o que representa 68 casos por hora ou 1 caso por minuto. Esses dados são apresentados como estimativa, pois ainda há uma lacuna no que se refere a uma pesquisa nacional que forneça, com fidelidade, estatísticas de violência doméstica contra crianças e adolescentes.
Sabe-se, também, que os casos notificados de violência contra crianças e adolescentes representam uma parcela insignificante frente à realidade de ocorrências. Na verdade, no Brasil, crimes contra crianças e adolescentes tem sido banalizados. Em 21 de outubro de 2007, uma adolescente de 15 anos foi presa suspeita de cometer furtos em Abaetetuba, no Pará. Ela foi levada à cadeia da Polícia Civil na cidade e colocada em uma cela na companhia de vinte homens. A justificativa dada na época pela polícia para essa atitude foi a de que, como as autoridades não sabiam que ela era menor de idade, a garota poderia ficar na cadeia com esses indivíduos. Resultado: nos 26 dias em que ela ficou na cadeia, a garota foi abusada sexualmente.
Em 2008, a grande imprensa noticiou dois casos envolvendo representantes de classe média alta, tornando público maus-tratos, praticados em ambiente doméstico, com frieza e requinte de maldade, contra crianças indefesas. No primeiro caso, ocorrido em março daquele ano, uma empresária de Goiânia foi presa em flagrante por torturar uma menina de 12 anos. Em abril, a garotinha Isabella Nardoni, de 5 anos, foi enforcada pela madrasta e arremessada pelo pai do sexto andar de um prédio em São Paulo, segundo laudo da polícia paulista. Nesse mesmo período, uma menina de 9 anos,  pobre e negra, foi estuprada e assassinada no interior de Goiás sem que houvesse qualquer repercussão na grande mídia.
Sobre o assunto, a coordenadora da Área Técnica de Vigilância e Prevenção de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde, Marta Maria Alves da Silva diz haver um verdadeiro extermínio de crianças negras no Brasil que fica por isso mesmo. Com justa indignação, Marta Maria esclarece, desabafa e, ao mesmo tempo, aconselha a denúncia como dever de proteção às crianças e adolescentes violentados. O silêncio de parentes, amigos, vizinhos e profissionais de saúde que desconfiam das agressões contribui para a ocorrência de novos casos.

Em setembro deste ano, o país assistiu perplexo a divulgação pela imprensa nacional, do caso de mutilação dentária, ocorrido em Brasília, a que foi submetido o adolescente César Oliveira Ferreira, 17 anos, usuário do SUS, com necessidades especiais, por isso encaminhado ao Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), para retirar dois dentes sob efeito da anestesia geral. O cirurgião dentista que lhe operou, deveria tirar apenas dois dentes cariados, porém sem autorização da família, extraiu-lhe todos. Entristecido e envergonhado, o adolescente parou de sorrir e teve sua ressocialização comprometida.

Em novembro deste ano, na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, a técnica em enfermagem, Vanessa Pedroso Cordeiro, de 25 anos, foi presa - ela confessou o crime – por haver intoxicado com alta dosagem de sedativos à base de morfina, onze recém-nascidos no Hospital Universitário da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
Como se não bastasse a violência dolosa contra crianças e adolescentes, surge agora o chamado Lapso de atenção! uma alteração comportamental que leva a pessoa, por algum motivo, a mudar a sequência de uma rotina, esquecendo-se de resolver tarefas previamente organizadas. Apesar da aparência inofensiva desse lapso, só em São Paulo, nos últimos dois anos, foram registrados três casos, que resultaram em óbitos de três bebês.  Conforme a imprensa, - no último, que não difere dos demais - uma mãe deixou sua filha, de seis meses, dentro do carro, só lembrando na hora do almoço. A criança não resistiu ao calor e falta de ar e morreu.
É lógico que não se trata de um caso de violência, por isso mesmo a mãe teve o perdão judicial, previsto no Código Penal, pois embora tenha contribuído de maneira decisiva para a morte da filha, o sofrimento materno numa situação dessas é tão grave, que dispensa qualquer tipo de condenação. Contudo, mesmo pequena, essa casuística recomenda uma discussão para pensar formas de abordagem individual e coletiva do problema.
Neste mês de dezembro, em Barreiras, na Bahia, um menino de 2 anos, foi  internado com cerca de cinquenta agulhas no corpo. Pior: casos como este já foram registrados no Brasil. Em 1993, uma criança foi internada no Hospital São Paulo com 13 agulhas pelo corpo e foi submetida a uma cirurgia para a retirada de apenas uma delas. Em 2000, mais quatro casos desses foram registrados no país, sendo um em Recife
e três em São Luís.
            Para o pediatra Sérgio Schettini, nos casos em que agulhas são encontradas nos corpos de crianças, com exceção dos acidentes, podem ser diagnosticados como síndrome de Munchausen "by proxy" (por aproximação). Trata-se de uma doença psiquiátrica que se caracteriza quando um adulto simula um sintoma, um acidente para obter carinho. É um indivíduo com carência afetiva patológica. O caso é mais grave e raro quando ele vitimiza uma criança."
            Para Schettini, nos casos dessa síndrome,  quase sempre estão envolvidos de forma persistente os pais ou pessoas próximas da família, o que leva a se confundir muito com rituais de magia negra. Essa situação é bastante rara na medicina brasileira. 
            Por fim, é útil lembrar que a violência contra crianças e adolescentes tem seus fatores de risco conhecidos, existindo várias maneiras de evitá-los e de reduzí-los. Dentre as formas de prevenção, sem demérito a outras, pensamos que uma boa articulação entre o trabalho da justiça e o trabalho da educação sirva como instrumento e boa estratégia preventiva. Aliás, pomos a crença de que para o combate à violência contra crianças e adolescentes, o discurso da pedagogia seja tão necessário quanto o discurso da ordem.


* Sara do Nascimento Andrade – concluinte do curso de Direito do UNIPÊ  – João Pessoa/PB.

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