Myriam Gadelha
Nunca vi tanta gente dona dos votos alheios nesta Paraíba. Obviamente que isto não é fato novo, mas ainda me assusta a constatação de que muito antes de as campanhas ganharem as ruas e os candidatos caírem em campo, as votações já estão contabilizadas e decididas, o sufrágio já foi todo loteado e não há mais nada o que se fazer.
Muitos prefeitos apresentam seus colégios eleitorais como se fosse o povo maquinaria muito controlável, porque vendem o “seu” eleitorado com uma tal facilidade e o compram os candidatos com a mais sincera convicção de que realizam negócio jurídico de agente capaz, objeto lícito e forma não prescrita em lei. E a população fica à margem dessas negociatas, nas quais está envolvida como fator principal.
A tabela é bem conhecida e aqui seguem alguns exemplos: prefeito de cidade de médio porte pode valer mais de meio milhão; município pequeno, entre 100 e 300 mil. Alguns vereadores também têm preço alto, dependendo do tamanho da localidade, o valor pode variar entre 15 e 100 mil, na capital. É mercadoria segura o voto alheio. É dispendioso. Depois, o candidato só precisa passar de carro acenando. Se já for bem conhecido, que mande apenas os retratos.
E não são apenas os ocupantes de cargos políticos que participam deste imoral comércio. São líderes de bairro que se dizem donos de suas comunidades, chefes de lar que ao demandarem uma pequena ajuda pessoal afirmam com veemência: lá em casa são 15 votos, viu, doutor? E ai de quem duvidar que aí já foram incluídos dois vizinhos que mal sabem como estão sendo posicionados.
Assim sendo, é mister sejam abertas as porteiras dos currais eleitorais ou o único requisito para tornar-se político será ter dinheiro, muito dinheiro. Elegeremos, de agora em diante, compradores de gado guiados por seus vaqueiros de voto. E o voto nunca mais será livre.
É preciso, antes de mais nada, definir o voto. O voto é a expressão máxima da cidadania. Entretanto, a cidadania tem contornos muito mais amplos do que o singular ato de votar. No Estado Democrático de Direito, todos são cidadãos, uma vez que somos sujeitos de direitos e obrigações – os que não votam não deixam de ser cidadãos por isso. Mas o que vota exerce plenamente sua cidadania, informa sua representatividade e materializa a democracia, assim. O cidadão votante é responsável, em certo grau, pelo não votante. Por seus filhos menores, pelos seus colegas incapazes, irmãos apenados, pais idosos e cansados.
É bastante conveniente para políticos endinheirados e pobres de discurso escorar-se em seus vaqueiros de voto, evitando o debate, a discussão, o corpo a corpo, os questionamentos, o olho no olho, o enfrentamento, cara a cara, com a condição de miserabilidade de grande parcela de nossa gente.
De tal modo, é bastante simples: vedemos o povo, tapemos seus ouvidos e molhemos suas mãos de dinheiro. O povo que ainda é indefeso, pouco educado, carente da fraseologia da democracia, de expressões como direitos fundamentais, república, lei, vontade geral, bem comum. O povo que desconhece bandeiras e ideais, a própria noção do voto livre. O povo apartado da fórmula “um homem, um voto”.
O que ora ocorre é um homem, um saco de cimento; um homem, um medicamento; um homem, 100 reais. Calcula-se o preço do voto, o valor para adesivar o carro, para pôr o banner na casa. E quem culpará o povo por querer fazer seu extra no período eleitoral? O pequeno pé de meia que aparece de dois em dois anos?
Todavia, culpemos os maus políticos, que são aqueles que insistem nessa prática cruel, que se omitem em orientar: votem em uma idéia, não em uma esmola; levantem uma bandeira, não se vendam, não se transformem em boiada. Bem vem a calhar a canção de Zé Ramalho: "porque gado a gente marca. Tange, ferra, engorda e marca". Mas com gente é diferente.
O bom político tem o papel de efetivamente cobrar o voto livre, consciente. De afastar de sua própria mente o alívio que de visualizar o povo como boiada, fácil de conduzir para qualquer pasto, sejam secos ou verdejantes. Esta é a verdadeira homilia do bom agente político. O que não teme o encontro, o toque, a conversa. O que não enxerga eleitores, mas pessoas.
O povo é a estrutura legitimante do sistema. Sendo corrompido, o aparelho inteiro perde sua autêntica justificação e torna-se efetivamente uma mentira, uma abstração exposta no texto legal. Na esteira dos direitos fundamentais de quarta geração, encontramos o direito à informação, já como desdobramento do direito à liberdade, inserido no contexto dos direitos humanos de primeira dimensão. A prática dos direitos humanos habilita o homem, como bem disse Friedrich Muller, e assim continua: Sem a prática dos direitos do homem e do cidadão, `o povo` permanece uma metáfora ideologicamente abstrata e de má qualidade. Por meio da prática dos human rights ele se torna, em função normativa, `povo de um país`, de uma democracia capaz de justificação – e torna-se ao mesmo tempo `povo: enquanto instância de atribuição global de legitimidade, povo legitimante.`
Materia publicada no site oficial do candidato Salomão Gadelha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário