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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Crônica

PRATINHO DO VASO
Fabrício Carpinejar


Fui numa floricultura comprar pratinhos de vasos.

Três pratos. De diferentes cores, de azulejo e barro.

O vendedor me considerou excêntrico pela modéstia do apelo. Procurou enfiar orquídeas olheira abaixo, recusei os arranjos coloridos. Como uma abelha que não larga a lâmpada pela obsessão do sol. Logo me dispensou para o caixa, viu de cara que não tinha potencial aquisitivo. Ele apressou a interrogação do "só isso" e logo fechou a encomenda.

Estamos tão consumistas que nos desculpamos por comprar pouco (ou nada). Imagina o atendente perder tempo com a gente? Gentileza hoje é comissão. Idêntica culpa diante do motorista de táxi com a corrida curta. Quase suplicamos por favor, se ele pode nos levar. Não há mais pobreza genuína no mundo, unicamente pobreza disfarçada. O cartão de crédito fantasiou a miséria.

Não receio pedir pouco. O pouco é que me basta. O pouquíssimo transborda.

Eu me sinto essencial lembrando o desnecessário. Ouvindo o suspiro dentro do vento.

Ninguém dá valor ao pratinho das plantas que racha na mudança de lugar e não é reparado, muito menos reposto. Eu não vivo sem eles. É como faltar talheres para um membro da família.

É o pratinho de vaso que me mantém acordado. Deslumbrado pela sua fugacidade. Porque amanhã terei que me lembrar novamente. E depois da amanhã. E sempre.

O amor é o que não lembramos para continuar lembrando. Como pedir ao filho escovar os dentes ou insistir que faça os temas. Todo dia será exaustivamente igual: é uma atenção renovada, não exclusiva. Uma dedicação nula. Uma devoção secreta que não traz fama e reconhecimento. Coisas simples que não podem ser contadas ou glorificadas durante a semana. Que são apagadas no mesmo momento do ato. Não irei ao bar proclamar aos colegas de que dobrei as calças antes de sair e organizei as camisas pela antiguidade.

É o que me põe apaixonado numa mulher: o pratinho do vaso. O que é sem graça, o que somente protege, mas que é confidente das raízes. O quanto ela é capaz de estar ao seu lado sem que necessite imortalidade. O quanto me torno observador das inutilidades. Falei inutilidades, pois é, não errei a digitação, quem ama conserva as inutilidades. Os interesseiros e ambiciosos guardarão as informações essenciais como nascimento e medidas. Veja se um homem a quer quando se interessa porque aquilo que não gera interesse. O fútil é o fundamental. No momento em que o desejo não descobre o que é importante e preserva tudo.

O pratinho do vaso do relacionamento está em saber o xampu que ela usa, o restaurante preferido, o doce da infância, sua mania de comer aipim com mel, o azeite (não é qualquer um), as perguntas que detesta ouvir, como ela gosta de amassar o travesseiro, de que modo escolhe as roupas: se nua ou já com a lingerie, quais os insetos que tem medo, o que não pode deixar de assistir na tevê, o drinque preferido, os amigos da choradeira, os amigos do riso, o que toma no café da manhã, qual a fruteira de sua confiança.

O pratinho do vaso é o que fica da tempestade. Não tinha como explicar ao vendedor. Ele é que conhece as flores. 

Imagem:sanremo.com.br

Um comentário:

Maria Helena (Catingueira-PB) disse...

Que texto lindo! Parabéns ao autor pela sua criatividade e inteligência tão apurada. Parabéns, também ao Marcos Eugênio pela sua sensibilidade intelectualizada em postar textos tão subjetivos e ao mesmo tempo tão práticos e relevantes ao sicronismo do bem-estar. Sempre tenho ascessado o blog GARIMPANDO PALAVRAS e afirmo que está cada dia mais interessante.

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