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quarta-feira, 24 de outubro de 2007

TRIBUTO A MORADA DO SOL - ENSAIO


Inácio Andrade Torres*

Nasci em 1952, ano que antecedeu ao jubileu de ouro de minha terra natal, Patos da Paraíba. Sou saudosista e por isso gosto de evocar lembranças, sobretudo aquelas vinculadas à infância e a juventude.



É exatamente o que me ocorre neste ano em que Patos comemora 104 anos. Saudades de Patos e de seu povo chegaram-me em borbotões à mente. São momentos diversificados da existência, cujo cenário principia pela rua Padre Anchieta, onde ainda está de pé resistindo ao tempo a casa onde nasci. As bodegas de João David e de Arsênio Vieira, e a oficina de Benildes Montenegro que serviam de ponto de encontro para bate-papo da garotada de minha época. Havia, naquele tempo, menos crise da palavra. Também pudera, a televisão engatinhava e inexistia internet.
Em seguida surge a Escola Mista Espinharas, a mestra Jacinta Xavier, austera e meiga. Como era bonita a primeira escola de minha vida! Nela, tudo era pureza. Um prédio simples, porém envolvido por um clima de serenidade e paz. Daí a pouco surge o rio Espinharas, ou o Pinharas como costumava chamar o saudoso João Roberto. Ah! O rio Espinharas! De vez em quando, descia açodado e furioso, e nesses dias tudo era festa. Tudo feriava para ver o Pinharas desfilar com pomposidade e destreza. A molecada, que conhecia bem suas manhãs, animava-se e corria para banhar. Era festa mesmo!
Quando vinha a estiagem, o seu leito transformava-se em campo de pelada. Os jogadores cada qual com apelido mais engraçado. Leão, Nego Tejo, Alagaú, Caboré, Pé de Monstro, Jorge Bueirão, Chicola, Tripa, Bacalhau, Pateta, Lobinho, Sitelo, Difusora, Oi de Jipe, Bacurau, Cochilão, Surrão, Coco e muitos outros que a vida fez seguir digressões distintas.
Revi todo o cenário do Jatobá em dia de sangramento. As peraltices, a cachaça, o peixe à beira do açude. Revi também o campo do velho Diocesano apinhado de torcedores nas tardes aguerridas do clássico Nacional e Esporte, o único Esporte alvirubro e escrito com um “E”. Recordei o início de funcionamento do Estádio José Cavalcanti. Alaíde Costa, a quem os esportistas patoenses devem uma homenagem por ter sido, de certeza, a primeira mulher a freqüentar com assiduidade jogos de futebol. Vi espelhado em minha frente o dia de Santo Reis. O carnaval de rua enfeitado com as cores alegres e brilhantes dos blocos de Zé e Expedito Romão e do Espalha Merda de Zéu Palmeira. O corso na Avenida Solon de Lucena.
Velho Diocesano
Revi o Instituto Leão XIII, dirigido pelo professor Luis de França, e o Círculo Operário gerenciado por Chico Sátyro. O velho Ginásio Diocesano do Padre Vieira. Revi o Campo de aviação onde costumávamos participar de pic-nic promovidos pelos professores primários, Lourdes Gomes, Naide e Sulinha, minha irmã, eram algumas delas. Recordei o serrote de Pedro Augustinho, sobre o qual, a cada ano, na noite de São Pedro, acendia-se uma grande fogueira que dava para ser vista de alguns pontos da cidade.
Relembrei os forrós juninos do grupo Rio Branco, Tiro de Guerra 07-152 e do Estadual, com os sanfoneiros Agamenon, Pinto do acordeom e Manoel Valadares. As quadrilhas de meio de rua, sobretudo as do bairro Santo Antônio. A Festa do Milho promovida a cada ano com mais brilhantismo e esmero pelos concluintes do Roberto Simonsen, tendo como gestor o Dr. Edmilson Lúcio. A velha Rua da Baixa brava e manhosa, onde instalavam-se os banheiros de Dadá, nos quais sapateiros faziam fila para banhar, ao preço de cinqüenta centavos cada meia hora. Seu Doca, sempre sorridente, vendendo água de casa em casa, em sua carroça. Mestre Abdon, o maior técnico em eletrônica da cidade, Valdemar do Pandeiro, Antônio Moreno, Geraldo Andrade e Antônio Emiliano, grandes músicos moradores da Rua dos Dezoito do Forte; as difusoras de Manoel Lino e Otacílio Divino, o sistema de som de Nêgo Deda e Leôncio, a boite de Elpídio.
Banda de música
Trouxe a memória a festa de setembro, a homenagem à nossa Senhora da Guia, padroeira da cidade. Os parques de diversão Lima e Maia, ambos de Campina Grande. O carrossel de Seu João do Dezoito do forte. A banda de música municipal, a 26 de Julho, com bacalhau no tambor maior, Valdemar nos pratos e Eugênio, filho do saudoso Chave de Fenda, no trombone. A retreta – como era bonito o concerto dessa banda!
Veio-me à memória os debates salpicados de um tom à vezes pitoresco, às vezes intelectualizados de nosso vereadores. Gilvam Freire, Marcone Sobral, João Bosco e Antônio Lima Simões (Lorota) constituiam a jovem guarda da oratória. Sem esquecer o Dr. Bosambo, verdadeiro guru, que sem alarde orientava a toda essa turma. As acirradas pelejas de cantadores de viola que se apresentavam no Clube dos Caçadores, na antiga rua do Prado, onde havia também o bar de Seu Antônio Bernardo e de Dona Mercês, que servia uma sopa sem igual.
Lembrei dos comícios de José Cavalcante, Edivaldo Mota, Ernani Sátyro e José Gayoso, onde a massa entoava com orgulho paródias de marchas caranavalescas, após a fala dos oradores. Os nossos desfiles do Sete de Setembro. A festa de Nossa Senhora da Conceição onde marcavam presença o chouriço e o doce seco de Mãe Preta. A procissão do Senhor Morto, exclusiva para homens, que sob o comando o Padre Levi, realizava-se na Quinta feira santa à noite, sendo precedida de uma bate-papo formidável e descontraído na praça Babilônica, cuja estrela maior era o nosso saudoso Zezinho Pintor, assistido por Antônio Tranca Rua e Toinho Manteiga. As matinês com exibição de seriados do Zorro e os movimentados festivais de música popular no antigo Cine Eldorado, com a participação de Os Jovens e Z Sete, destacando os cantores Amauri de Carvalho, Antônio de Pádua e Aloísio Araújo. A casa do Estudante, comandada por Juraci e o Fortelândia tendo à frente Robson, Osvaldo Trigueiro, Romildo, Buarque e tantos outros. O campo de futebol do Diocesano que serviu tanta vezes de palco para o torneio de times amadores, como o fluminense de Totô, o Bariri do São Sebastião, o Botafogo de Toinho, o Gurani de Tião Bilú, o Flamengo de Vigolvino e outros.
O tempo passou rápido. Mudaram minha terra e minha gente. Soube até que amputaram um dos braços do velho Pinharas! Imaginem o que não fizeram com o restante das coisas!? Agora uma coisa é curta e certa! Os homens jamais vão conseguir tirar o sol de sua morada.

*Inácio Andrade Torres – professor da UFCG e escritor.

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