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quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Crônica


MEIO PRESENTE


Fabrício Carpinejar
 
Não sou contra receber cuecas de presente. Que venha da namorada, da mãe, de amigas. Não ficarei decepcionado, não lamentarei os fantoches desajeitados da mão para satisfazer a ansiedade. Vale os pulos da respiração.
A cueca tem independência, sugere um momento especial de estreia, um cuidado, tem espaço próprio na gaveta.
Mas não tolero receber meia. Não é presente, é um insulto de pano.
Meia humilha o aniversário. Lembraremos do que faltou. Não é por nada que é categorizada como lembrança. Lembrança do tênis que não veio.
Dar meia é dizer que não tem dinheiro ou que o presenteado não merece seu dinheiro. Ambas afirmativas estão certas. Mas é insinuar algo mais grave: que ele não merece nem seu crédito.
É igual a considerar coxinha de frango como um almoço.
Meia é acompanhamento, deveria vir como brinde. Sou favorável a proibir sua venda em separado.
Meia é acessório. Uma falsa expectativa. Ai de quem pedir para embrulhar. Teremos mais trabalho em resolver a decepção do que em desfazer as dobras do papel. Meia é o cartão de visita do terapeuta.
Durante cinco aniversários, dos sete aos doze anos, meu avô paterno unicamente me oferecia meias. O papel-presente de palhaço justificava a escolha. Nem segurava direito, ainda recordo do pacote gelatinoso, informe, com o barulho irritante do plástico. Preferia que seu amor por mim fosse descalço.
- Acho que vai gostar, ele me apontava.
Como alguém pode afirmar que vou gostar de meia. Meia não se gosta, se perde. A meia some para testar nossa memória. Seus pares são uma indústria de divórcio. Não sei o que acontece na máquina de lavar. Mas nunca as meias voltam completas. Terminam solitárias. Casais são dissolvidos no Omo.
Coitadas, então, das brancas, condenadas a um swing interminável até surgir os primeiros furos.
Meia não se aposenta, morre subitamente no lixo.
A meia é uma luva no verão. Estranha, esquisita, é o que a gente já deveria ter antes de nascer.
Estava me acomodando com a teoria e desligando o computador, quando minha filha Mariana me telefona e pede pares de meia.
- Meias?
- Sim, pai, eu adoro meias, é meu presente predileto.
- Por quê?
- Com uniforme escolar obrigatório de cima para baixo, posso me diferenciar apenas pelas meias.
Meu avô deveria ter aguardado os bisnetos. Era muito evoluído para seu tempo.



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