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domingo, 23 de março de 2008

Cruz como símbolo de saudade




Marcos Eugênio

BEIRA DE ESTRADA

Trechos onde acontecem fatos
marcantes são transformados em local para cultuação


A História registra o costume romano de deixar os corpos na cruz após estarem mortos para que fossem vistos e servissem de exemplo. Era um dos piores castigos aplicados aos criminosos no período de Jesus Cristo. A crucificação de Jesus é um dos maiores exemplos dessa prática, apesar da injustiça cometida pelos romanos, que o condenou à humilhante situação. Mas Cristo sabia que passaria por toda aquela provação para salvar a humanidade do pecado, como está bem explícito nos livros dos evangelhos.
Essa execração pública nos remete ao fato marcante do Salvador entre dois ladrões na véspera de um grande acontecimento para a cultura, religiosidade judaica: a celebração da Páscoa. Jesus morreu antes dos outros dois crucificados, devido aos terríveis espancamentos, pela desidratação, como também pela fome a que foi submetido. Após a morte de Cristo a cruz passa a ter novo significado, o de salvação, de ressurreição.
"Quando a criança é batizada recebe o Sinal da Cruz, algo que jamais desaparece daquele ser. Ao passar por uma estrada e percebemos uma cruz fincada à beira da estrada, dizemos que ali morreu um cristão", comenta o padre Jair Tomazella, da paróquia do Perpétuo Socorro, de Patos.

Infarto

Sete cruzes, postas na altura da pequena capela erguida entre as cidades de Patos e São Mamede revelam uma das maiores tragédias já ocorridas no Sertão da Paraíba. A data: 21 de novembro de 2004. Uma Van lotada transportava passageiros de Patos para João Pessoa, quando outro veículo, um Fiat Uno, em direção oposta invadiu a contramão, conduzido por um advogado do Rio Grande Norte, que naquele momento, vivia o drama de um infarto enquanto dirigia. O infarto foi constatado pelos médicos legistas durante a autópsia. Os dois veículos se chocam, a Van saiu da pista, virou e pegou fogo. O acidente teve um saldo de oito vítimas fatais, sete da Van, que ficaram carbonizados e o advogado.

Capela

No local desse trágico acidente foi erguida uma capela, com as cruzes de ferro revelando a quem passa pela BR 230 que ali pessoas se despediram deixando muitas saudades para familiares e amigos. "Depois que meu irmão mandou construir a capela, erguer as cruzes, vamos nos reunir sempre no aniversário desse acidente, onde mandaremos celebra a missa por essas almas", disse Francisco de Assis Paulo, irmão de uma das vítimas da Van.
São inúmeras histórias que contribuem para a demarcação com cruzes das rodovias, sejam estaduais, federais e até vicinais dos municípios. Esse costume enraizado na fé e cultura, principalmente do nordestino, foi trazido da Península Ibérica (Portugal, Espanha e Andorra) muito tempo atrás.

Auto-flagelação é outra prática comum

Reverenciar os mortos através da cruz também é uma prática de cunho bastante cultural por um grupo de Pernambuco, Os Penitentes. Durante a Quaresma, período de quarenta dias que antecedem a festa ápice do cristianismo: a ressurreição de Jesus Cristo, comemorada no famoso Domingo de Páscoa, tradição celebrada desde o século IV, os penitentes se vestem de túnica preta e capuz e passam a praticar a auto-flagelação.
Eles se reúnem de madrugada em torno das cruzes e capelas existentes às margens das estradas, além de cemitérios e entoam cantos e rezas para os mortos.
Na região de Patos é bastante comum a construção de capelas em serrotes e cruzeiros, que servem como oráculos. Em Teixeira, na Pedra do Tendo, há uma delas, bastante visitada, ao lado da pista. Alguns municípios sertanejos se destacam pela quantidade de acidentes, seja em decorrência da topografia, a exemplo de Teixeira, Santa Luzia, com serras de curvas perigosas e os mais desatentos acabam caindo em ribanceiras, aumentando as estatísticas de morte nessas localidades, seja também pela grande presença de animais, a exemplo do trecho Patos-Conceição, e trechos mal sinalizados.
É o caso do acidente ocorrido na Serra de Teixeira em 29 de outubro do ano passado, envolvendo o caminhão de placas KKY-4962 de São José do Sabugi-PE.
O motorista, Everaldo Morais de Aguiar, 39, que transportava uma carga de milho, sobrou numa das acentuadas curvas e tombou o veículo, ocasionando a morte do carona Marcelo Leite Barros, de 26. Mais uma cruz foi fincada na serra.
Muitos anônimos e autoridades já perderam suas vidas em rodovias que cortam o Sertão, a exemplo do jurista Romero Abdon Queiroz Nóbrega, homenageado com o nome do novo presídio de Patos.
Em 07 de abril de 1991 ele viajava com a esposa, um casal de filhos, sua empregada e a filha desta quando, na estrada entre São Mamede e Patos não conseguiu fazer a manobra correta em uma curva e se chocou de frente com um caminhão. O único sobrevivente foi seu filho, Romero Filho (Romerinho) que viajava na carroceria da caminhoneta e pulou antes do choque.
Vítimas de tragédias são homenageadas pelas famílias
Geralmente as cruzes na beira das estradas, traduzindo um sentimento de culto à memória dos que se foram, possuem os nomes das vítimas e são ornamentadas com fitas com referência a santos. É bastante comum também a visita dos familiares nesses locais, como acontece nos cemitérios.

Cruz da Menina

Ao pé da cruz são acessas velas acompanhadas de orações. Porém o hábito de fixar cruzes não se limita apenas nos casos de mortes por acidentes. Encontro de cadáveres vítimas de homicídio também faz parte desse costume. Uma das cruzes mais famosas é a da Menina Francisca, Cruz da Menina, na cidade de Patos.
A garota foi morta em 10 de outubro de 1923 à pauladas por Domila Emerenciano, isso porque a criança, que vivia como espécie de escrava do casal Absalão e Domila, havia esquecido de fechar a janela antes de dormir, algo percebido por Domila quando retornava com seu esposo, que era responsável pelo funcionamento do motor que fornecia energia para toda a cidade.
A menina Francisca era filha de retirantes que, durante um longo período de estiagem, haviam dado a criança para o casal criar, como forma de evitar a morte a garota pela fome que castigava o semi-árido nordestino. O corpo da menina foi levado de madrugada e deixado no Sítio Trapiá, onde hoje existe o Parque Cruz da Menina. O cadáver em estado de putrefação foi encontrado por um agricultor, Inácio Lazário, que acionou o delegado Antônio Fragoso. No local em que Lazário achou o corpo de Francisca ele fincou uma cruz de madeira. A partir daí o local passou a ser bastante freqüentado para orações pela alma da criança.
fotos:garimpandopalavras

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