Morgana do Nascimento Andrade*
A dor constitui uma das grandes preocupações da humanidade, sobre a qual o homem sempre procurou as razões que justificassem a sua ocorrência e os procedimentos destinados ao seu controle. Os xamãs - considerados os mais antigos profissionais do mundo, precursores dos médicos e sacerdotes modernos - tratavam a dor associando religião, magia e ciência. Na Ásia, África, Austrália, Europa e Américas, ao longo da história dessas civilizações, utilizou-se a hipnose no tratamento da dor.
Atualmente, considerada pela Organização Mundial de Saúde/OMS como um problema de saúde pública, a dor afeta pelo menos 30% dos indivíduos durante algum momento da sua vida e, em 10% a 40% deles, tem duração superior a um dia. Acrescente-se ainda: a dor é uma das principais causas de sofrimento e de incapacitação para o trabalho, ocasionando graves conseqüências biológicas, emocionais, socioculturais e econômicas e, no Brasil, é a maior causa de demanda ambulatorial.
De fato, embora em nosso país não haja dados epidemiológicos precisos, mesmo assim, com base na demanda cotidiana dos serviços de saúde, pode-se dizer que a ocorrência de dor tem aumentado entre os brasileiros nos últimos anos. No mundo, calcula-se que a incidência da dor crônica varie entre 7% e 40% da população e cerca de 50% a 60% dos portadores desse tipo de dor ficam parcial ou totalmente incapacitados, de maneira transitória ou permanente, comprometendo de modo significativo a qualidade de vida.
Pela sua relevância no âmbito da saúde; ao lado do pulso, da pressão arterial, da respiração e da temperatura, a dor física foi adotada como o quinto sinal vital. Tal adoção serviu para promover melhoria na qualidade da atenção em saúde, bem como facilitar a comunicação entre os membros da equipe (de saúde) e os usuários dos serviços. Sem dúvida, a legitimidade do controle da dor e dos cuidados paliativos àqueles pacientes com dor aguda, crônica e terminal, veio encorajar os clínicos e demais trabalhadores da saúde a utilizar universal e regularmente as ferramentas disponíveis para a medição e o tratamento da dor.
No campo das políticas públicas de saúde, o alívio da dor é atualmente visto como um direito humano básico e, portanto, trata-se não apenas de uma questão clínica, mas também de uma situação ética, de cidadania e dignidade humana que envolve todos os trabalhadores de saúde. Neste aspecto, reconheceu-se também que o tratamento da dor não se restringe simplesmente a um procedimento técnico-científico, vai muito mais além, abrange a esfera política, pois a dor não tratada pode afetar adversamente o estado de recuperação em cirurgias e pode levar a uma dor crônica, de longo prazo e, obviamente, com custos financeiros e sociais elevados.
Conforme a literatura especializada, as principais formas de dor são: aguda, crônica e recorrente. Em todas elas estão presentes variáveis psicossociais e culturais. Contudo, pela importância epidemiológica quanto a sua incidência, morbidade, custos sociais, econômicos e trabalhistas, tem sido destacada a dor crônica, o tipo bastante freqüente na vida diária de muitos brasileiros, sendo um dos motivos para tantas intervenções clínicas e cirúrgicas - lamentavelmente algumas vezes de alto custo e pequeno benefício - por não contemplar, no protocolo de procedimentos técnicos, os aspectos multifatoriais e multidimensionais. Cabe aqui realçar que, em seu trajeto, a dor crônica termina por ser causa e efeito da dor da alma, isto é, a dor psicológica, a que mais machuca, magoa e atrapalha, provocando mudanças de humor nas pessoas e consequentemente interferindo no cotidiano e qualidade de vida delas.
Hoje, há uma opinião consensual de que o processo doloroso envolve aspectos biológicos, emocionais e socioculturais, exigindo, portanto, os cuidados de uma equipe multiprofissional, composta de enfermeiros, fisioterapeutas, médicos, psicólogos e outros profissionais com bastante experiência e capacitação para uma assistência eficaz e humanizada no tratamento da dor humana.
Daí porque pode-se afirmar claramente e com justiça que, no âmbito da Psicologia, embora muito recente, graças a criação de bons cursos de especialização e residência, o tratamento psicológico específico para a dor crônica em muitos serviços de saúde tem demonstrado excelentes resultados, proporcionando melhor qualidade de vida para o portador, com redução dos sintomas, diminuição dos medicamentos e até prevenção de intervenções cirúrgicas. Por outro lado, abre-se um novo horizonte para os cuidadores especialistas em terapia antálgica.
Pelos argumentos expostos anteriormente, ficou demonstrado que a dor envolve aspectos biológicos, emocionais, sociais, culturais e econômicos, portanto requer uma assistência multiprofissional. Por fim, pela associação contextual e de conteúdo com esse artigo, finalizamos com essa reflexão adaptada de Loduca e Samuelian: “ O papel do Psicólogo no tratamento da dor é compreender o contexto envolvido na queixa do doente, priorizar o esclarecimento sobre a importância da avaliação psicológica, utilizar recursos que facilitem ao indivíduo perceber o papel da emoção na dor e investigar a maneira como a dor tem interferido no cotidiano do doente”.
* Morgana do Nascimento Andrade CRP-PB13/5489 – Psicóloga Clínica e especialista em Dor pelo Hospital A.C. Camargo, São Paulo/SP.
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