Compromisso com a verdade dos fatos

Bem-vindo ao blog Garimpando Palavras

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

UM CONCERTO PARA A MORTE


Por Misael Nóbrega de Sousa

À Murilo Santos de Almeida


Vejo reproduções de corpos mutilados, todas às vezes, em que folheio os jornais diários. É a valorização do fato em detrimento da consternação anônima e alheia. É a discussão de que o bom tem que ser o ruim. É a notícia que nada constrói. Os vermes pululando no escatológico... - e as rotativas a todo vapor.
Uma bala na cabeça, acompanhada de um violino... – como pano de fundo... – seria um concerto para a morte, por quanto for levada a efeito à sonata. O enredo não precisaria se ater a nenhuma banalidade. - Morria-se, assim, embriagado pela composição de um Vivaldi. Não permito que transplantem às minhas partes. Elas servirão apenas aos meus propósitos... – como súditas devotadas de uma vida miserável. Além do mais, quem iria cobiçar um alargamento de mim?
O que ainda me faz resistir à tentação... - é a certeza de que serei aprisionado nas páginas de um tablóide, em forma de retrato. E isso é tétrico. O amarelo do papel – mofado... – é o esforço da alma para fugir das letras. Àquelas mesmas que descreverão a mentira (lacônica) do que eu fora. A minha vida, em três ou quatro linhas, sensacionalistas. – Um processo semelhante ao da carne em putrefação... – quando os bichos devoram a consciência pagã.

E se é assim, uma certeza... – prefiro me apegar à dúvida. Quanto ao esquecimento? Não há consolo melhor. Ele se encarregando da reminiscência dos estúpidos – e os tipos que inventei sendo enterrados comigo. - Se não tivesse pudor, quanto ao meu corpo nu, gostaria de ser ruminado - sem a casca que reveste as serpentes. Não há algo mais dispensável que uma vestimenta de cadáver.
Quando me assentarem na frialdade da sepultura, arregalarei os olhos e testemunharei o meu próprio dessecamento (presenciará o nefasto, alguns poucos entusiastas) e igualmente contarei as estrelas, uma infinidade de vezes... - e até que cheguem à algarismos inimagináveis. De nada adiantará rogarem para que os Santos venham em minha defesa. Eles estão ocupados com os seus disfarces. Agüento-me, ainda, só não sei até quando...

– Deus sempre teve razão.


Professor e Jornalista


ilustração:www.esoterikha.com

Nenhum comentário:

Arquivo do blog