Inácio A. Torres
Iniciamos esse artigo com a frase de José de Alencar
quando encerra seu romance Iracema: “Tudo passa sobre a terra”. E, ainda, com
uma reflexão na qual pomos fortemente toda a crença: não existe nenhum mal na
transitoriedade de pensamento, desde que seja para o bem comum, a felicidade e
a evolução dos humanos. Dito isso vamos aos fatos.
Ainda tenho na memória o ar de tristeza de Buarque
Fernandes, colega de infância e de colégio em Patos, no dia em que recebeu a
notícia de que o programa Estudante em Marcha, da Rádio Espinharas, veiculado
aos domingos pela manhã, por aquela emissora, sairia do ar. O motivo: rodaram
sem autorização da direção a música Jesus Cristo, de Roberto Carlos.
O problema é que aquela época, 1970, na cidade, essa
canção era proibida ser cantada durante solenidades religiosas em algumas
igrejas, imagine ser tocada numa emissora pertencente ao clero!
Quase no mesmo período, 1968, o paraibano Geraldo
Vandré teve também a sua música “Para não dizer que falei das flores”, proibida
pela ditadura militar. Proibição que se estendeu por vários anos. Dois anos
depois, exilado na França, Vandré gravou em Paris, o seu álbum “Das terras de
benvirá”, um grande trabalho misto de saudade, lembranças e maturidade, o qual
foi lançado no Brasil em 1973.
“Tudo passa sobre a Terra”, como diz José de Alencar.
Tempos depois, precisamente em 1997, assistíamos pela televisão, recepcionando
o Papa João Paulo II, Roberto Carlos cantando para dois milhões de pessoas, no
Rio de Janeiro, sua maravilhosa canção Jesus Cristo.
Bem mais próximo, no primeiro ou segundo governo de
Lula, a música de Vandré serviu como hino - trilha sonora - do comercial do
ProUni/Programa Universidade para Todos. Nesse caso, bem distante da música
original, a canção fora tocada em um ritmo americanizado, ouvindo-se o
refrão: “Caminhando e cantando e seguindo a canção/Somos todos iguais, braços
dados ou não/Nas escolas, nas ruas, campos, construções/ Caminhando e cantando
e seguindo a canção/Vem, vamos embora, que esperar não é saber,/Quem sabe faz a
hora, não espera acontecer/Vem, vamos embora, que esperar não é saber/Quem sabe
faz a hora, não espera acontecer”.
Recordo ainda que naquela época, Waldick Soriano quase
fora processado e preso por causa da música “Torturas de amor”. A letra, quem
conhece sabe bem, fala tão somente de paixão, afeto, carinho, ternura entre
homem e mulher. Porém, para os censores daquele tempo, a palavra tortura tinha
outra significação.
Geraldo Vandré |
Todos esses argumentos surgiram-nos, quando neste
final de semana, revendo em Patos, uma estante da infância encontramos o livro
“Para as mãos de meu amor", de Osmar Barbosa, um consagrado autor de
livros de redação e de gramática dos anos setenta.
Nesse compêndio havia o soneto “A resposta do
Crucificado”, tendo, por causa do mesmo, esse poeta e professor sido alvo de
inúmeras interpretações equivocadas, notadamente entre exercícios de escolares.
Em nosso caso, o conteúdo em nada fora distorcido, tudo transcorreu
serenamente, mas, também pudera, tínhamos, no velho Ginásio Diocesano, como
professores de língua portuguesa, o Dr. Messias (in memória) e a Dra. Geralda
Medeiros, cujas aulas enchiam-nos de conhecimentos e de paixão pelas letras.
Leia abaixo a poesia de Osmar Barbosa, seguida de
comentário do mesmo, justificando a sua produção poética.
A resposta do Crucificado
Era fria, tão fria, de maneira
Impossível sondar-lhe o coração.
Tinha gestos de garça na clareira
E de rolinha arisca no sertão.
Procurou um convento. Fez-se freira.
Fez-se calada irmã da solidão.
Perpetuou-se em estátua verdadeira
No pedestal sereno da oração.
Pôs aos pés do Senhor Crucificado
Uma prece de amor: - “Quero que os teus
Braços divinos, ó Jesus, me tomem!”
E o Cristo redarguiu atormentado:
- “Como pode querer amar um Deus
Aquela que não soube amar um homem!”
Com a palavra Osmar Barbosa: "Este soneto faz lembrar
aqueles que se voltam para Deus, com o pensamento na salvação de sua alma,
pouco importando-se de cuidar do próximo, satisfeitos unicamente com sua
egoística solidão. O amor divino faz parte também do amor humano. Não se pode
pensar apenas nas vantagens celestes e abandonar os problemas cruciantes do
mundo terrestre. Existem sacerdotes e Freiras que se dedicam inteiramente ao
cuidado do próximo, dando-lhes assistência espiritual e social. Mas existem
almas que buscam a solidão dos monastérios, voltando para a humanidade a sua
profunda aversão. Como pode amar um Deus aquela que não sabe amar um homem? Eis
a pergunta que faz o Crucificado à freira que só pensava em ter para si o amor
de Deus e jamais voltava o seu pensamento para o próximo".
Agora, se achar conveniente, faça seu comentário.
Importante:
Osmar Barbosa foi seminarista, professor e poeta.
Nasceu em Vitória, Espírito Santo, em 6 de outubro de 1915, e faleceu em Nova
Friburgo, Rio de Janeiro, em 29 de março de 1998, aos oitenta e três anos.
Escreveu vários livros que contribuíram muito para a divulgação de nosso idioma
e para a promoção do saber da população brasileira, sobremaneira os jovens.
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