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sábado, 22 de agosto de 2009

Aos concluintes de Enfermagem da turma pioneira da UFCG – campus de Cajazeiras.



22 de Julho de 2009

Inácio A. Torres


Oração proferida pelo professor Inácio Andrade Torres, colunista do www.pbnoticias.com e do nosso garimpandopalavras, por ocasião da aula da saudade da turma de Enfermagem da UFCG.

Meus estimados afilhados.


Agradeço-lhes pela escolha de meu nome para paraninfá-los. Fico-lhes agradecido e, ao mesmo tempo, não posso deixar de reconhecer que este gesto corresponde certamente ao esforço, respeito e dedicação que tenho para com todos vocês. Por outra parte, vocês dão um exemplo de honradez, dignidade, independência e autonomia, ao escolherem seus homenageados de forma espontânea, justa e por méritos.

Reforço aqui, aquilo que sempre defendi em sala de aula: a liberdade e a independência são princípios inegociáveis. E vocês, ao cumprirem esse ensinamento, já iniciam-se na profissão demonstrando competência, elevado caráter e consciência profissional. Portanto, merecem a louvação de todos.

Lembro muito bem de quando e como vocês aqui chegaram!. Eram trinta estudantes provenientes de meios sociais, emocionais e intelectuais diversificados. Alguns vindos de escolas públicas, outros de escolas priva

das. Hoje, essa turma constitui-se de onze. Agora todos reconhecidamente graduados em uma universidade pública renomada. Nem por isso, realço, esqueçam do tempo de educação infantil e dos ensinos fundamental e médio. Cada um desses professores do passado, mesmo ausentes e distantes, separados pelo tempo e espaço, contribuíram para que esse momento aqui celebrado acontecesse.

Também, não esqueçam dos dezenove colegas que razões variadas buscaram outros horizontes. O importante é que vocês continuem com a convicção que realmente escolheram o curso desejado. A nós que fazemos a universidade, compete avaliar causas dessa evasão. Não se pode naturalizar esse fato, tampouco atribuir-se ao pioneirismo, porque antes deste tivemos tempo para construção de um planejamento que estimulasse ou promovesse a atração e nunca a “repulsa”. Naturalizar fatos é sempre arriscado. É como diz o poeta alemão Bertolt Brecht: “Nunca digam – isso é natural! Diante dos acontecimentos de cada dia. Numa época em que reina a confusão, em que corre o sangue... em que o arbítrio tem força de lei, em que a humanidade se desumaniza... nunca digam: isso é natural! A fim de que nada passe por ser natural.

Como enfermeiros, portanto educadores, nunca esqueçam de defender a Educação básica tão duramente machucada no Brasil. É que o saber tornou-se mercadoria de consumo para quem dispõe de dinheiro. Quem tem mais tem melhor escola. Quem sabe pode. Quem sabe manda. É assim que tem sido ensinado aos estudantes brasileiros. E o caminho mais acertado para se elevar a educação de um país não é bem esse. Conheço um moço que disse ter cursado direito em uma faculdade particular, não para exercer o ofício, mas para ter “autoridade”. Ledo engano, lamentável ignorância para quem é da área. Outro disse-me que desejava ser médico porque o pai também o era, acrescentando que, sendo médico, poderia ter sucesso como político. Grande equívoco, pois a medicina é uma profissão de alta relevância científica e social, portanto nunca deverá ser entendida como amparo para o alcance de cargos políticos.

Nas minhas aulas sempre enfatizei que a autonomia, a humanização, a consciência profissional e a autoridade científico-moral são os quatro pilares básicos da formação acadêmica. Disse-lhes que acreditassem na pedagogia que ensina o caminho da verdade, da justiça, da honestidade, da beleza e da bondade. A pedagogia que, sem perder a ternura, saiba estabelecer limites e mostrar a importância do não.

O educador escocês Alexander Sutherland Neill ficou famoso por defender a liberdade das crianças na educação escolar. A sua pedagogia fundamenta-se no princípio de que a prática da liberdade tem eficácia educacional e reabilitadora. Na sua opinião devem ser abolidas a disciplina imposta pelo professor e a pregação moralista. Ou seja: os estudantes procuram se autogovernar. Aqui, pelas queixas que escutei de vocês durante o curso, e pelas promoções que sozinhos fizeram e continuam a fazer, parece-me que o método de Neill fora exercitado, portanto palmas para vocês e para os docentes.

Ainda conforme Neill, o desenvolvimento emocional é mais importante do que o intelectual. Este acaba ocorrendo no ritmo de cada aluno. Para ele, a ênfase no disciplinamento e o desprezo pela educação emocional explicam a facilidade com que emergiram sentimentos indomáveis de ódio e crueldade, na Alemanha nazista.

De fato, não se pode privilegiar o aspecto intelectual de aprendizagem em detrimento da formação moral. Lamentavelmente a maioria das faculdades no Brasil nem sequer consegue um bom desempenho na transmissão do saber fazer, imagine-se como anda a deficiência quanto as tendências dos outros saberes, como por exemplos: o saber conviver e o saber ser. Esses são desafios que, para vencê-los, a universidade precisa criar espaços que permitam uma discussão livre e prazerosa, onde possam ser debatidos com profundidade temas relacionados com cidadania e solidariedade.

Neste instante, provavelmente, alguns de vocês tem em mente um dilema: o mercado de trabalho. São profissionais demais para vagas de menos. Mas é preciso lembrar que o mundo está se transformando. Estima-se que muitas profissões desaparecerão. Outras tantas surgirão. Permanecerão aquelas que têm relevância social. A enfermagem é uma delas. Lembrem-se sempre que a enfermagem é ciência e profissão. Como Ciência tem consagração própria, na medida em que tem demonstrado com competência e habilidade respostas aos grandes dilemas da população e respondido a inúmeras perguntas do meio acadêmico. Como profissão, pela participação inquestionavelmente referendada pelo povo através da participação de seus trabalhadores nos programas públicos e coletivos, nos serviços, gestão e academias.

Permaneçam amigos e não se divorciem da ciência e da universidade. Sejam aprendizes permanentes e defendam profissão escolhida. Acolham os pacientes e procurem ser justos, equilibrados, ponderados, competentes e habilidosos.

A mídia tem divulgado um pensamento apócrifo que diz: quem move o mundo não são as respostas, mas sim as perguntas. Rainier Maria Rilke, escritor alemão, diz: “Seja paciente com tudo o que não há solucionado em seu coração e procure amar as próprias perguntas. Não procure as respostas que não podem ser dadas porque não poderia vivê-las e o que importa é viver tudo. Viva as perguntas agora talvez gradativamente e sem perceber chegue a viver algum dia distante das respostas”.

Queridos afilhados, certamente o momento exigisse palavras mais cândidas, amáveis, delicadas e amenas, mas preferi que fosse assim, bem ao meu estilo. Por fim, recomendo-lhes que reflitam sobre essa última carta de Olga Prestes, onde já abatida, oprimida e injustiçada, mesmo sem medo e sem ódio, escreveu: “Lutamos pelo bom, pelo justo, pelo melhor do mundo”. São exemplos de guerreiras como essa que nos fortalecem os ânimos, a coragem e a dignidade. Com um abraço fortíssimo. Inácio Andrade Torres.

*Texto escrito, apresentado e distribuído por ocasião da aula da saudade dos concluintes da primeira turma de Enfermagem, da Unidade Acadêmica Ciências da Vida, da Universidade Federal de Campina Grande, acontecida em 21 de agosto de 2009, ministrada pelo Professor e Educador Inácio Andrade Torres.

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