Analfabeto, crítico do forró eletrônico, apaixonado por Jackson do Pandeiro, o engraxate compositor, músico e cantor Derréis, que já tocou com Cabruêra e Escurinho, é hoje uma das maiores referências vivas da musicalidade patoense, apesar do preconceito que paira sobre seu dom artístico em sua terra. Difícil encontrar alguém na cidade que não saiba cantar o refrão de sua mais conhecida canção: Samba na tampa da lata.
Luis Alves de Oliveira, Derréis, 68 anos, nasceu em 1939 na cidade de Patos, vivendo sua infância na Rua da Pedra. Seu gosto pela música surgiu aos 12 anos, quando reunia alguns colegas de rua e promoviam arrasta-pé ao som de latas usadas por suas mães para carregar água. Naquela época, relata, ganhava seus primeiros trocados das pessoas que iam às apresentações. Foi daí o surgimento do apelido Derréis. “Quando recebi o dinheiro D. Terezinha, uma vizinha minha, ela disse: Olha o Derréis com derréis na mão! Daí ficou o apelido e todos só me chamam por ele”, lembra o músico que não abandona a profissão de engraxate, iniciada aos 10 anos. Com uma memória bastante acessa relembra o primeiro sapato que engraxou, do maquinista do trem maria fumaça, recebendo deste 500 réis. Seu local de trabalho era a Estação Ferroviária.
Não herdou de nenhum parente o dom musical. Diz que quando garoto ouvia muito Jackson do Pandeiro pelas ondas do rádio e vivia cantando suas músicas, principalmente no banheiro. Sua dedicação à música, de se apresentar por cachê, só teve início aos 21 anos, quando foi presenteado com um pandeiro por um amigo, instrumento, segundo o próprio, feito de couro de gato. A primeira apresentação foi numa fazenda, em Catolé do Rocha, onde, além de certa quantia em dinheiro, ganhou duas galinhas.
Os convites para shows foram surgindo de todos os recantos de Patos. Derréis em pouco tempo ganhou fama, sendo cover e mantendo sempre o repertório de Jackson do Pandeiro, uma idolatria ao filho de Alagoa Seca que se faz presente sempre que sobe ao palco, algo que para ele não poderia ser diferente pela inspiração que recebe de um dos maiores ritimistas que o Nordeste já teve. Mesmo com toda sua humildade, enfrentando certa resistência e discriminação por parte de alguns patoenses que não valorizam seu trabalho, nem deram conta de sua importância para a cultura local, Derréis já conseguiu, com muita luta e talento gravar quatro CDs. O primeiro surgiu quando estava no batente, engraxando sapatos, um famoso freguês seu, o empresário francês Pierre Landolt, pertencente a uma das famílias mais ricas do mundo, segundo a Revista Época, lhe fez a seguinte proposta: “Você faz uma música agora pra mim e eu lhe dou R$ 100,00 e pago a gravação de mil cópias de um CD seu. Você fica com 500 cópias e eu com o restante”. Derréis gostou da proposta e fez o seguinte samba:
Nasci nessa cidade
Ninguém nunca me ajudou
Nem prefeito ou deputado, nem também vereador
Chegou Dr. Pierre
Perguntou assim pra mim
Você quer gravar um CD
É pobre não tem dinheiro
Me grave uma fita
Me entregue para mim ver
Se essa fita ficar boa
Vou gravar o seu CD.
Ferrenho crítico do forró estilizado, diz que música para ser verdadeira tem que ter letra, e cita seus principais ídolos, Jackson, Luiz Gonzaga, Dominguinhos e Abdias dos 8 Baixos. “Esse forró de hoje não tem letra, só tem zuada”, enfatiza Derréis, autor de quatros CDs, os últimos três gravados de forma precária e comercializados por ele mesmo, oferencendo de mão em mão aos amigos, numa tiragem que não ultrapassa as 150 cópias. Já são mais de 50 composições e muitas apresentações. Derréis conta que possui 52 diplomas oferecidos pelas escolas, entidades culturais, Maçonaria, onde tem cantado, seja em momentos juninos, em gincanas culturais. No São João deste ano em Patos cantou e tocou pandeiro para um público estimado de 40 mil pessoas no Terreiro do Forró, para ele grande oportunidade de mostrar seu trabalho para os turistas de outros estados. Por falar nisso, seu grande sonho é poder um dia cantar em grandes programas de TV do Sul do País, mostrando um pouco da obra de Jackson do Pandeiro.
Diz que conseguiu primeiro lugar no concurso de calouros do programa Tony Show, cantando Sebastiana, concorrendo com 25 candidatos. Fez apresentação no Recife antigo, num encontro de maracatus, levado por Pierre. Ao fim de sua apresentação foi bastante aplaudido e concedeu várias entrevistas para a imprensa da Veneza Brasileira. Um dos momentos mais marcantes de sua vida foi o convite feito pela banda paraibana Cabruêra, quando essa tocava num restaurante da cidade, sendo chamado ao palco para dar uma canja. Outras ocasiões não menos importantes foram no projeto Balaio Pop, em 2005, quando tocou com Escurinho e em junho do ano passado, onde fez revezamento de palco com Escurinho, Mundo Livre S. A., Aerotrio, Zabé da Loca, Maciel Salu (filho do Mestre Salu) e o Terno do Terreiro, Chico Correa e Electronic Band, Erasto Vasconcelos, Zé Filho e o grupo Star, num dos eventos mais contagiantes da cultura popular já ocorridos em Patos. Agora em outubro Derréis participa da Semana Cultural Universitária, devendo tocar seu surrado pandeiro novamente com Escurinho e Cabruêra, duas das atrações que constam na programação e que o valorizam bastante.
O início de sua carreira artística foi no Rio Grande do Norte, pelas bandas de Caicó e Ipueira. Nessa fase tocou com os sanfoneiros Dedé de Helena, Chico Nunes, Zequinha do Equador, Antônio Nascimento, Antônio Soares e Juvenal Sanfoneiro. Sobre o maior sucesso de sua carreira, Samba na Tampa da Lata, Derréis conta que a criou logo depois de ser ludibriado pelo Palhaço Belezinha, que mantinha um programa na NE TV-PE. Certa vez Belezinha esteve em Patos e o convidou para cantar em seu programa. O músico sapateiro se desdobrou para arranjar dinheiro para ir fazer bonito em Recife. “Chegando lá a conversa foi outra. Ele queria que eu o pagasse para puder me apresentar”, comentou. A resposta veio em forma de música, onde o sapateiro fez duras críticas ao comportamento antiético do apresentador.
Sua antiga passagem por Campina Grande inspirou-o para mais uma cria, recém escrita, que ele canta enquanto ta com a mão na graxa:
Morei em Campina Grande, bairro do Zé Pinheiro
Aprendi a bater pandeiro no forró de Zé Lagoa
Tenho saudade do bairro do Jeremias, do Quarenta e do Tambor
Também do Bodocongó.
Surgiu uma moreninha foi dizendo logo assim
Você é meu cavalheiro e não vai ficar só
Campina Grande, terra boa da garoa
Não me sai do pensamento
O forró de Zé Lagoa.
Derréis se vangloria dizendo que, no tempo da boemia, teve 1.675 mulheres, 25 filhos de dez delas, 27 netos, 14 bisnetos. Sua esposa está paralítica, mas continua a ser o grande amor de sua vida e que o sonho do casal é morrer junto. Diz que queria receber alguma homenagem ainda vivo e não um busto de bronze após sua morte, como acontece com a maioria dos artistas populares. Vive da aposentadoria concedida pelo INSS e do bico como engraxate, bem como do cachê, quando é convidado. Nas suas apresentações o cachê varia de R$ 100,00 a R$ 600,00, dependendo do evento. Já está mobilizado para gravar mais um CD. Deve sair brevemente um documentário contando sua história.
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