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sexta-feira, 29 de julho de 2011

Entrevista com autor da PEC do diploma, Dep. Paulo Pimenta

'Jornalista e não médico escreve melhor sobre a gripe H1N1'

A frase é do deputado Paulo Pimenta (PT-RS), ao responder a uma pergunta sobre quem seria o profissional mais qualificado para escrever sobre uma doença, no caso a H1N1 que era debatida em um evento no qual participava como um dos debatedores. Pimenta lembrou esse fato na entrevista que ele concedeu à revista Imprensa, cujos trechos relacionados com a formação superior da jornalista, participação popular e liberdade de expressão seguem transcritos abaixo.

Transparência e participação popular

Ele possui formação acadêmica, mas não exerce a profissão na qual é diplomado, o jornalismo. Na Câmara dos Deputados, garante que é um arauto dos assuntos relativos à comunicação. Defende a transparência e a importância da participação popular na política. O deputado federal Paulo Pimenta tem como uma de suas principais bandeiras no Congresso a aprovação do PEC 386, de sua autoria, que propõe a retomada da obrigatoriedade do diploma universitário para exercer a profissão de jornalista, revogada no dia 17 de junho de 2009 pelo Supremo Tribunal Federal.

Foi líder estudantil, vice-presidente da União Estadual de Estudantes do Rio Grande do Sul na década de 1980 e, aos 24 anos, ingressou na política pública, como vereador da cidade de Santa Maria (RS). No ano passado, reelegeu- se para a Câmara dos Deputados, com a maior votação do Rio Grande do Sul. Um dos pilares da atuação do deputado no Congresso refere-se a projetos que estimulam a participação popular. É um dos apoiadores do projeto Dados Abertos, cujo objetivo é aumentar a transparência em relação às informações geradas pelos órgãos públicos, de modo que a população possa ter fácil acesso a elas. Na mesma linha, Pimenta é autor do Projeto e Lei Cidadão Digital, que cria um sistema para que a população possa manifestar apoio aos projetos em tramitação no Congresso, via internet.

Revista Imprensa - Há uma grande discussão sobre parlamentares que detêm veículos de comunicação. Qual sua posição sobre o assunto?

Paulo Pimenta - Eu sou totalmente contrário ao fato de o detentor de mandato ser contemplado com uma concessão. Rádio e televisão não são a mesma coisa que um jornal. O jornal não é uma concessão, mas um canal de rádio e de televisão é um espaço público – que durante muito tempo foi utilizado para favorecimento político às oligarquias. O poder público concede a alguém, delega a operação de um serviço seu. Então é incompatível alguém que tem o mandato parlamentar — que entre uma das suas atividades está a fiscalização do controle do Poder Executivo — ser concessionário de um serviço do próprio poder. É uma relação estranha, eu acho que conceitualmente está errada, a Constituição prevê isso.

Se está previsto na Constituição, por que não há regulamentação clara?

Porque nós temos ainda no Brasil um baixo nível de consciência política, de capacidade de crítica. Eu discuto muito isso porque existem determinados dispositivos na Constituição Federal cuja aplicação é exigida para uns e para outros não... Então, por exemplo, o próprio Supremo Tribunal Federal... No artigo 520 da Constituição Federal, que trata o tema da comunicação social, ele tem o rigor para se preocupar com o diploma. E é a mesma Constituição que estabelece o entendimento sobre aquele que detém o mandato parlamentar te não poderia ter concessão de rádio ou TVI... Não há esse mesmo rigor... É uma relação de poder. Reflete as contradições das fundações do poder intrínsecas na lógica da sociedade brasileira.

Hoje em dia, há uma absoluta subversão daquilo que estabelece a Constituição. O que falta, na minha leitura, é exatamente uma capacidade de regular no Brasil a limitação de lucros, o sistema financeiro, o modelo de concessão de rádio e televisão. Há uma dificuldade de se discutir no Brasil temas que são relativamente simples em outros países, como a regulação de publicidade voltada para crianças, publicidade de bebida em horário nobre... E aqui não se consegue dialogar a respeito disso. A grande imprensa criou no Brasil uma certa paranoia da liberdade da expressão. Nós não temos uma legislação no Brasil que regule a questão da propaganda voltada para criança. Criança não é consumidora. Os Estados Unidos regularam, outros países regularam e aí aparece alguém e diz que você está atentando contra a liberdade de expressão...

E qual o limite da liberdade de expressão?

Esse não é um tema simples. Mas também não é um tema extenso. Tem um limite que avança através de uma compreensão média de uma sociedade, em um determinado período histórico. Quando ele soma a discussão sobre a propaganda do cigarro, determinados setores insurgiram-se: “Isso aí é uma violência contra a liberdade de expressão”. Hoje, está tão aceita a ideia de que uma empresa concessionária de rádio e televisão não pode fazer propaganda do uso de cigarro que ninguém mais discute isso. Então, a sociedade construiu um conceito.

Quando foi regulada a questão da propaganda do cigarro também estava prevista a regulação da propaganda da bebida. E é curioso. Esse assunto entrou duas vezes na pauta, duas vezes ele foi a voto, nas duas vezes colocaram uma vírgula e a cerveja ficou de fora. Quando o projeto foi à votação, vários especialistas foram ao Congresso, as grandes agências de publicidade do país foram para convencer que o Brasil é o único lugar do mundo onde cerveja não deve ser tratada como bebida alcoólica.

Como você vê a repercussão da PEC 386?

Eu fui o único parlamentar presente no julgamento [que derrubou a obrigatoriedade do diploma, em 20091. Uma coisa que na época me chamou a atenção foi o fato de que a imprensa não estava presente no julgamento. Ninguém divulgou. O assunto não tinha interesse jornalístico até o momento que, dentro do STF, se consolidou uma tendência. E de uma hora para outra, adquiriu-se interesse jornalístico; todos os telejornais do Brasil trataram desse assunto naquela noite.

O que eu discuto muito sobre isso é a natureza do artigo 220 da Constituição Federal, que trata do tema da comunicação. Por que o constituinte criou o capítulo da comunicação social no Brasil? Eu fui aos anais, às comissões constituintes de 1988, aos debates que ocorreram na época... O que você recupera é a intenção de colocar no Brasil uma trincheira contra a censura, O país estava saindo de um período ditatorial. Então, não podia haver uma lei que tivesse restrição, que criasse embaraço à liberdade de expressão, à formação jornalística. É isso que diz o artigo 220.

Mas em nenhum momento entendeu-se que a exigência de diploma era uma lei que cria embaraço, restrição para a liberdade de expressão ou para a profissão jornalística. Pelo contrário, o constituinte faz referência clara à atividade jornalística como uma atividade profissional, quando ele reconhece o artigo quinto. A única profissão para a qual a Constituição garante o sigilo da fonte é para o jornalista.

O constituinte fez questão de dizer que, para a atividade jornalística, há uma prerrogativa própria, que é o sigilo da fonte, o constituinte poderia ter dito que o artigo do decreto que estabelece a exigência do diploma colide com o artigo 220. Mas ele não disse isso. Esse assunto jamais foi colocado em debate, até um determinado episódio ocorrido com a Folha de S.Paulo. Isso começa com uma inspeção de rotina do Ministério do Trabalho na redação da Folha e acaba encontrando pessoas exercendo atividade jornalística que não eram profissionais. E lavra uma notificação. E, a partir disso, inicia-se uma contenda da entidade representativa das emissoras de rádio e televisão do estado de São Paulo, que se insurge contra esta notificação do Ministério do Trabalho.

Como avalia o cenário pós-aprovação da emenda de 2009?

Basta fazer a seguinte pergunta agora: dois anos depois [da queda da obrigatoriedade do diploma] aumentou a liberdade de expressão no Brasil? Aumentou a livre circulação de ideias do indivíduo? O cidadão passou a ter um acesso maior à produção de informação nos grandes meios? Houve uma redução no nível do monopólio do controle da imprensa do Brasil? Onde exatamente que o diploma, em algum momento, se constituiu em um embaraço ou em uma restrição? Pelo contrário, houve uma precarização da relação de trabalho.

Há apoio do Congresso para aprovação da PEC do Diploma? Ela deve ser votada até o final do ano, conforme divulgado?

A PEC foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça [CCJ], que é quem trata da constitucionalidade. Aprovada, vai para a Comissão Especial, que analisa o mérito; é conveniente para o país, é de interesse do país que a PEC seja aprovada? Agora está pronta para ser votada. É verdade que existem muitos projetos prontos que precisam ser votados. O que precisa para que seja votada é que ela seja colocada na ordem do dia pelo presidente da casa, que normalmente ouve os “Vips”. Então, o que nós vamos fazer agora? Quando da coleta das assinaturas para apresentar a PEC — um deputado precisa de 171 assinaturas para protocolar a PEC —, nós tivemos certa dificuldade. Nós colocamos a coleta das assinaturas on-line e pedimos o apoio das faculdades de jornalismo e sindicatos. Em cada estado muita gente se envolveu nessa mobilização. O pessoal ia até os deputados e perguntavam “Por que o senhor não está assinando?”. Nós vamos fazer um requerimento e vamos buscar as assinaturas dos deputados usando essa mesma ferramenta para encaminhar ao presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, pedindo que ele a coloque em votação.

Por que é importante a formação acadêmica para o exercício da profissão de jornalista?

Em primeiro lugar, é preciso entender que há 20 anos não era necessário no Brasil que a pessoa tivesse curso superior para várias atividades. O próprio jornalismo durante muito tempo não era considerado uma profissão. A partir de um determinado momento, a imprensa passa a ter outro papel e as relações de poder da sociedade também se tornam muito mais complexas, ao ponto de que a mediação entre os fatos do cotidiano e a forma como essa informação é levada ao cidadão se torna uma técnica.

Hoje, as mídias sociais possibilitam que as pessoas tenham opinião. Os blogues, os sites, o Twitter... qualquer um pode ter a opinião que quiser, mas cada vez mais há uma distinção entre o que é opinião e o que é jornalismo. Nós precisamos ter um profissional que tenha uma sólida formação do ponto de vista humanista, com conceitos fundamentais sobre ética, direito, direito contraditório, liberdade de expressão... E que, ao mesmo tempo, se aproprie de tecnologias, de experiências que permitam que essa mediação seja feita da maneira adequada. Há pouco tempo eu estava em um debate sobre a gripe H1N1 e o mediador perguntou “Quem é a melhor pessoa para escrever no jornal sobre essa gripe?”. Alguém falou “Evidente que é o médico”. E eu falei: “Não é o médico”. O médico vai dizer a opinião dele. Agora, o jornalista ouve o médico, o secretário da Saúde. Ele vai ver como isso ocorreu em outros países, ele vai falar com os pacientes e até a opinião do médico vai estar ali.


Cátia Andressa da Silva
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