REBITES: A DROGA QUE RONDA NOSSAS RODOVIAS PREJUDICANDO A SAÚDE E SUBTRAINDO VIDAS
Inácio A. Torres
Arrebite ou rebite, conforme os dicionaristas, é um substantivo masculino e quer dizer prego a que se revira a ponta para cima ou se achata a martelo. No sentido figurado significa soberba, insolência, petulância. Já o adjetivo arrebitado corresponde a mau gênio, vivo, esperto, pernóstico, petulante.
Rebite, arrebitado e arrebitar semanticamente não têm relação com medicamentos, porém na “comercialização” farmacêutica atual preconizada por alguns poucos proprietários de farmácias, drogarias e até donos de restaurantes, lanchonetes e postos de gasolina, situados em beira de rodovias, e leigos em assuntos farmacológicos, estas palavras tomaram nova conotação e passaram a ter uma força incrível no âmbito da comunicação cifrada das drogas.
Rebite é popularmente o nome das anfetaminas, aqueles medicamentos que exercem efeito estimulante ao nível do cérebro liberando energia. Trata-se de um tônico energético de ação rápida que melhora a disposição psíquica e física, possibilitando dominar mais facilmente os estados de cansaço e de debilidade orgânica.
Pois bem, esses medicamentos que deveriam ser comercializados nas farmácias com apresentação de receituário controle especial, estão sendo vendidos há tempo em postos de combustíveis, restaurantes, bares e outros ambientes, que tem como especial clientela motoristas de transportes de carga pesadas – carretas e caminhões.
Na ganância de ganhar dinheiro, os frentistas, os gerentes desses postos e até políticos, conforme divulgou a Globo recentemente, comercializam a droga. O diálogo é curto e direto; “e aí mano, quantos comprimidos hoje”. Nenhuma explicação. O lucro está acima de tudo, da afetividade, do humanismo, dos perigos de acidentes e mortes que poderão advir por conta do consumo indevido dessas drogas.
Como frisamos, essa situação é antiga. Pois bem. Em 1982, escrevíamos no Momento, um semanário de João Pessoa, a coluna Saúde. Em dezembro daquele ano, esse assunto esteve em pauta, e tivemos oportunidade de construir sobre o mesmo, um artigo no qual inserimos a opinião de caminhoneiros. Osvaldo – nome fictício de um deles – 40 anos de idade e 20 de profissão, sempre rodando pelas estradas do Nordeste e Sudeste, assim manifestou-se: “o rebite é um santo remédio que fornece força e energia para chegar no lugar desejado, no final da viagem. Ir mai longe, andar mais alguns quilômetros”. Em seguida, com um sorriso maroto ele acrescentou: “com rebite a gente não tem sono, o corpo fica forte e os olhos abertos o tempo todo. Não dá medo de enfrentar sozinho a estrada. A gente fica forte mesmo, de verdade!” E, por fim, realçou: “A maioria dos motoristas que sobrevive graças a produção de fretes, ganhando por percentagem, toma o rebite”.
Lenilson, companheiro de Osvaldo, 26 anos, o caçula da caravana, fez questão de explicar. “Uma viagem, por exemplo, em que deveríamos gastar seis dias, com a ajuda do rebite, diminui algumas horas, o que representa lucro para a gente e para o dono do caminhão, além de garantir o nosso emprego”.
Indagados se conheciam pelo menos o nome comercial de algum rebite, expressaram que nunca tinham atentado para esse fato, desconhecendo totalmente as indicações e contra-indicações desse medicamento.
Fatos dessa natureza repetem-se diuturnamente no Brasil. Agora mesmo, o Fantástico (edição de 27/03/11), levou ao ar uma reportagem que mostrou em vários pontos do país, flagrantes de venda dessas drogas em postos de combustíveis. Nas imagens aparecem um vereador e um frentista do posto, supostamente negociando a venda de anfetaminas e dando orientações sobre o uso do medicamento para manter os motoristas acordados durante as longas viagens. O vereador confirmou ao produtor da reportagem que o pagamento poderia ser feito até com cartão de crédito.
O pior. Como Osvaldo e Lenilson, existem muitos motoristas por este país afora, prejudicados pelo uso desses remédios. Inclusive aqui mesmo, bem próximo, há o caso de uma pessoa amiga, ex-motorista de ônibus, hoje com 62 anos, aposentado por invalidez, vítima do uso indiscriminado desses medicamentos, ainda quando era jovem. Ele relata, que para cumprir o horário estipulado pela empresa em que trabalhava, lá pelos anos setentas, via-se obrigado a ingerir 4 a 6 rebites por noite. Hoje, sofre de insuficiência cardíaca e de insônia e vive deprimido em total isolamento social, recebendo um salário, que mal dá para a compra dos seus medicamentos, sendo acudido pelos filhos.
Como se vê, o problema do rebite é antigo e, em nossos dias, continua fazendo muitas vítimas, sendo causa de sofrimento, incapacitação para o trabalho e, por tabela, ocasionando graves conseqüências para os dependentes quer de ordem psicossocial, econômica e familiares, quer de ordem comportamental, pois no trânsito um condutor de automóvel “rebitado” é um grande perigo para todos (motoristas, passageiros e pedestres).
O problema exige uma medida cautelar, vigilante e educativa. Um trabalho de conscientização entre motoristas, balconistas e proprietários de farmácias, de frentistas e donos de postos. Que haja uma fiscalização mais orientada, sistemática e presente em todos esses setores e com a participação conjunta das policias civil, rodoviária, ambiental, militar e federal; do ministério público e da vigilância sanitária.
Uma vigilância que fiscalize realmente as farmácias e laboratórios, uma polícia bem aparelhada para evitar furto, roubos e desvios de cargas como acontecem todos os dias pelas rodovias brasileiras. Uma formação decente e ética dos futuros profissionais da saúde, em que possam orientar a população sobre a compra de medicamentos, esclarecendo acertadamente sobre indicações e contra-indicações desses produtos e não simplesmente medicalizando o povo, como tem acontecido nos últimos tempos.
Um controle social capaz de denunciar laboratórios que não têm entranhas nem patriotismo, e que só sabem enganar o consumidor, como ficou comprovado há pouco tempo quando ficou descobriu-se a presença de farinha de trigo em anticoncepcionais. Uma vigilância com punição às farmácias e laboratórios que facilitam o acesso a medicamentos que só podem ser vendidos com receita médica.
Os motoristas de ônibus e de caminhão são vítimas dessa situação chocante e nociva que lhes estraga a saúde e arrefece-lhes o sentido de viver. Eles participam e contribuem imensamente com o desenvolvimento do nosso país. É uma força de trabalho ativa, que necessita ser mais respeitada, melhor acolhida e orientada.
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