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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Texto de profunda reflexão


Exposição do Professor Inácio Andrade Torres como debatedor da mesa redonda Os desafios do envelhecimento no Brasil, durante o 1º SIMPÓSIO FRANCO BRASILEIRO DA PESSOA IDOSA, promovido pelo Centro Universitário de João Pessoa UNIPE, de 25 a 27 de agosto de 2009, em João Pessoa, Paraíba.



Inicio minha fala anunciando um pensamento manifestado por um escriba egípcio, no ano de 2.450 a.C. Diz esse manuscrito: “Quão penoso é o fim de um velho! Debilita-se a cada dia; sua visão diminui e seus ouvidos já não ouvem; sua força declina e seu coração já não descansa; sua boca torna-se silenciosa e já não fala. Suas faculdades intelectuais diminuem e o impossibilita recordar hoje o que aconteceu ontem.Todos os ossos estão doloridos. As ocupações não são mais realizadas pelo simples prazer. A velhice é a pior das desgraças que pode afligir um ser humano”.

Esse pensamento embora muito antigo, vê-se costumeiramente expressado por inúmeros idosos nos dias atuais. É que uma ordem social injusta espalhou-se pelo mundo inteiro onde se valoriza mais o vigor, a força, a juventude. Idoso é sinônimo de doença, algo ultrapassado, coisa velha, ociosa, inútil. Foram estabelecidos muitos limites pela idade no Brasil e, sessenta anos, embora não exista nenhum fundamento científico justificador, significa o início da velhice, período em que a autoestima passa por transformações diversas advinda da imposição da sociedade.

Dezesseis anos é a idade para dar-se o primeiro voto, 18 significa a maioridade penal, 35 idade mínima para ser presidente do país, 55 idade mínima para aposentadoria de mulheres e 60 de homens. Essas são as regras ditadas pele legislação.

O certo é que depois dos sessenta anos, quando se chega a velhice, as pessoas dessa faixa etária muita coisa é negada. E o tempo em que tinha a esperança de dias melhores esvai-se pelo ar. O que se vê é a segregação social, o abandono da família, o isolamento, a rotina tediosa e a falta de perspectivas entre os idosos, A prova dessa situação é tanta que tivemos de criar uma lei para amparar, ou melhor, para acudir os velhos e velhas brasileiros, o chamado Estatuto do Idoso, que desde janeiro de 2004, mesmo com alguns entraves e negações, tem servido de bom escudo para muitos idosos desse país.

Disto, abordarei como desafios e dilemas para o envelhecimento no Brasil os seguintes aspectos: na saúde, notadamente a relação entre profissionais dessa área e os idosos, o impedimento de tomada de decisão e maus-tratos no envelhecimento; as relações intergeracionais; a alocação de recursos para a terceira idade e a finitude com dignidade.

Iniciemos pala saúde. Não se pode negar que o Sistema Único de Saúde seja um grande avanço, talvez o maior avanço que tivemos na saúde brasileira. Esse sistema é justo na medida em que prega o atendimento a todos sem discriminação. Preconiza também uma nova forma de gestão em que ricos e pobres merecem o mesmo tratamento. O que falta é uma maior participação da sociedade através de um controle social vigilante e denunciador. Que as instituições formadoras dos trabalhadores dessa área ganhem espírito novo e busquem preparar uma força de trabalho cujo perfil atenda, compreenda e assuma bem o seu papel diante da comunidade. Que os gestores se sensibilizem e vistam realmente a camisa do SUS, assumam e cumpram com os compromissos de campanha.

Que na relação trabalhadores de saúde e usuários idosos dos serviços, seja mais respeitadas as prerrogativas de uma atenção sincera e justa, onde realmente preserve-se a fidelidade, a veracidade, a privacidade e a confidencialidade dessa relação. Que não se restrinja as decisões dos idosos e se respeite as suas convicções pessoais e que na alocação de recurso para esse setor avalie com justiça o merecimento e a necessidade. Aliás no pacto da saúde de 2006, a saúde do idoso fora considerada uma prioridade.Por fim devo dizer que o SUS é um sistema de saúde que tem feito muito pelo provo brasileiro, e se assim não fora não teria sido replicado partes de seu projeto em outros paises do mundo.

Quanto às relações intergeracionais muita coisa resta por fazer. É que a família tem sofrido inúmeras transformações nas últimas décadas. Hoje temos vários tipos de família, indo da família unipessoal, isto é composta por uma pessoa que mora sozinha, até a extensiva onde um homem ou uma mulher que casara-se três vezes ou mais vezes reside com o atual esposo ou esposa e vários filhos de casamentos anteriores.São, portanto, lares onde há muita gente mas que idosos e crianças sentem-se isolados, pois com eles as interações são poucas. Edgar Morin, reforça essa nossa opinião ao afirmar que “o aumento no número de interações propicia maior possibilidade de relações caóticas”

Um fato de se lamentar e também para se refletir. Nos Estados Unidos, uma pesquisa mostrou que quando o governo perguntou se a população desejaria manter os idosos em casa, recebendo uma complementação de renda, ou se desejavam manter os idosos em instituições de longa permanência pagando mais impostos para isso, teve como resposta a segunda opção. Isso é uma prova de que a exclusão do idoso inicia-se no ambiente doméstico

Mas não fica somente nisso. Essa situação agrava-se quando parte para a violência doméstica contra a pessoa . Aqui, tomemos a citação da pesquisa Cecília Minayo, que define maus-tratos em idosos como senso ações ou omissões cometidas uma vez ou muitas vezes, prejudicando a integridade física e emocional das pessoas desse grupo etário e impedindo o desempenho de seu papel social. É uma quebra de expectativa positiva dos idosos em relação às pessoas e instituições que os cercam : filhos, cônjuge, parentes, cuidadores e sociedade em geral.

São também da doutora Cecília Minayo os conceitos a seguir:

Maus-tratos físicos, entendidos como o uso da força para obrigar a pessoa idosa a fazer o que não deseja, provocando-lhe dor, ferimentos ou morte. Acontecem no âmbito familiar, na rua, nas instituições de prestação de serviços, e em outros espaços. Pode resultar em lesões e traumas que levam à internação hospitalar e até à morte.

Maus-tratos psicológicos são agressões verbais com objetivo de humilhar, aterrorizar ou afastar a pessoa idosa da convivência de seu meio. Caracteriza por todas as formas de menosprezo, de desprezo, de discriminação que provocam sofrimento mental. Exemplos verbais: “Você já não serve para nada; você já deveria ter morrido mesmo; você já é a bananeira que deu cacho”. Estudos mostram que o sofrimento mental provocado por esse tipo de maltrato contribui para processos depressivos e autodestrutivos em pessoas idosas. Maiores vítimas:os mais pobres e os dependentes financeira, emocional e fisicamente.

Negligência compreendida como a recusa ou omissão de cuidados por parte dos familiares, serviços públicos, instituições. Exemplos: na área da saúde, o desleixo e a inoperância dos órgãos de vigilância sanitária em relação aos abrigos e clínicas. Nessa situação a culpabilidade recai sobre o estado que não fiscaliza, as instituições que fazem desse serviço um negócio cujo fim principal é o lucro e as famílias para quem é muito cômodo acreditar que tudo ficará bem com seu idoso quando o entrega a um desses locais de atenção especializada.

Maus-tratos financeiros pode ser traduzido como sendo a exploração imprópria ou ilegal da pessoa idosas no uso não consentido de seus bens financeiros ou patrimoniais. Geralmente cometidos por familiares, em tentativas de forçar procurações para acesso a bens patrimoniais, vendas de bens e imóveis sem o seu consentimento; expulsão dele do seu tradicional espaço físico e social do lar; confinamento em algum aposento mínimo em residências que por direito lhe pertence. Às vezes vem acompanhado de maus tratos físicos e psicológicos que produzem lesões traumas e ate morte.

E, por fim, a auto-negligência que consiste na ameaça à própria vida pela pessoa idosa, deixando de prover cuidados necessários a si própria. Essa situação pode levar a perda do sentido de vida, advindo ansiedade, depressão que pode levar ao suicídio.

Mesmo assim, com todas essas dificuldades não podemos cruzar os braços, nem baixar a autoestima. Temos de lutar pela melhoria da qualidade de vida dos idosos. Para isso precisamos fazer valer o estatuto do idoso, sensibilizar os gestores, preparar os cuidadores familiares e não familiares, colaborar na criação de incentivos para os trabalhadores das saúde, lutar pela instalação de mais conselhos do idoso, capacitar os membros desses conselhos, estimular os profissionais para atuarem em promoção do envelhecimento ativo e na organização de redes de prevenção e de atendimento, promover a melhoria da formação de recurso humanos e meios operacionais dos serviços de atendimento ao idosos. Tudo isso é possível se lutarmos com coragem e determinação em busca dessa causa que, alem de justa e necessária, é urgente. Finalizamos com essa reflexão de Santo Agostinho, que diz: “O tempo presente é o único no qual podemos reparar o passado e construir o futuro”. Muito obrigado.



Inácio A. Torres é colunista do pbnoticias.com, com textos publicados simultaneamente neste blog.


Foto:badaueonline.com.br

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