Compromisso com a verdade dos fatos

Bem-vindo ao blog Garimpando Palavras

domingo, 21 de setembro de 2008

Literatura de Cordel: “A alma do senador que caiu na lábia do Cão”

Autor: Janduhi Dantas



Leitor amigo, hoje em dia
pra tudo tem eleição:
ontem pela Internet
eu fazendo uma incursão
soube que após morrer
a gente vai escolher
ficar com Deus ou com o Cão.

Segundo a história que li
não é mais como dizia
no catecismo Irmã Graça
que era Deus quem escolhia
para Ele a alma boa
enquanto que a alma à-toa
pro fogo eterno descia.

Não senhor, leitor amigo
agora é na eleição:
se com Deus ou com o Diabo
dá-se à alma a opção
qual será seu lar eterno
se o Céu ou o Inferno
é da alma a decisão.

Conta a história que a alma
de um senador brasileiro
chegando ao portão do céu
ao chamar pelo porteiro
escutou deste a resposta:
“De remancho ninguém gosta
já lhe atendo ligeiro”.

Nesse momento São Pedro
tomava o seu cafezinho
mais uns santos camaradas
(José, João e Agostinho)
licença a eles pediu
e num instante surgiu
no portão bem de mansinho.

Ao chegar disse: “Alma boa
queira fazer-me um favor:
primeiramente me diga –
quem foi em vida o senhor?”
A alma muito arrogante disse assim:
“Fui importante –
do Brasil fui senador!”

Ao ouvir essa resposta
São Pedro disse: “Essa não!
No Brasil, de dez políticos
só um que não é ladrão!....
Há bem pouco tempo atrás
era impossível, rapaz
’cê passar nesse portão!...

Contudo, pra sua sorte
temos outra regra aqui:
(São Pedro falou) no Inferno
você passa um dia ali
depois passa um dia cá
no fim onde vai ficar
você quem vai decidir!”

A alma do senador
abriu um largo sorriso
e disse: “São Pedro, agora
ser-lhe sincero preciso:
eu não quero nem testar!
Por favor, me deixe entrar
eu escolho o Paraíso!”

Mas São Pedro respondeu-lhe:
“Deixo nada! Qual o quê!
Aqui quem manda é o Homem
Ele manda e tem de ser!
Portanto, digo ao senhor:
pegue aquele elevador
faça o favor de descer!”

Bem próximo dos dois se via
um elevador possante
São Pedro disse: “Entre lá
qu’ele o levará distante –
ao buraco mais profundo
em que as dores do mundo
gemem a um mesmo instante!”
Muito triste, a contragosto
o senador caminhou
do elevador em busca
e no botão apertou
quando a porta se abriu
pro Inferno ele seguiu
como São Pedro ordenou.

Chegando a alma ao Inferno
lhe atender veio um rapaz
galegão, de olhos azuis
com mil gestos cordiais:
nas costas deu-lhe um tapinha
disse: “É sua a casa minha!
Prazerzão! Sou Satanás!”

De queixo caído, a alma
do senador disse ao Cão:
“Eu pensei que o senhor fosse
preto da cor de carvão!”
–“Nem sou preto nem café!
(disse o Demo) Isso é
intriga da oposição!”

Em vez de feder a enxofre
era a perfume francês
que o Lúcifer cheirava
e se mostrando cortês
falou: “Vamos logo entrando
pois aqui quem vai chegando
trato por rainhas, reis”.

Nesse momento chegou
da cozinha uma empregada
e o Cão disse assim pra ela:
“Traga uma loura gelada”.
Ela saiu rebolando
e a alma ficou pensando:
“Oh! que morena aprumada!”

Depois dumas dez cervejas
conversando alegremente
o Cão disse: “Agora, amigo
vou mostrar-lhe o ambiente
venha aqui, me acompanhe
que ao final talvez eu ganhe
o seu voto consciente!”

Passou a mão sobre o ombro
do senador e saiu
o Inferno lhe mostrando
e o que a alma viu
foi de fato uma beleza
pois foi só luxo e riqueza
o que o Satã lhe exibiu:

Havia um campo de golfe
de futebol tinha três
quadras de tênis, de vôlei...
Era mansão de burguês!
Havia de dança pistas
e saunas com massagistas
de endoidar qualquer freguês!

No Salão de Festa estava
tendo uma de arrombar
com muito uísque escocês
com lagosta e caviar...
Ele ali foi abraçado
por mais de um líder finado
do regime militar.

Também reviu mais políticos
finados da sua laia
que enriqueceram às custas
de muita maracutaia
que viviam fartamente
enquanto que nossa gente
de fome quase desmaia...

E aquela festa no Inferno
seguia muito animada
com tanto riso e beleza
tava a alma extasiada
mas só que a hora passava
e o senador precisava
dali fazer retirada...

E vendo a hora chegar
perguntou-lhe o Satanás:
“E então, autoridade
tás gostando ou não estás?”
O senador disse assim:
“Dizem que aqui é ruim
mas aqui é bom demais!”

Foi quando o Cão disse:
“Amigo eu tenho que lhe falar
que nossa festinha agora
você precisa deixar
digo isso com tristeza
porém eu tenho a certeza
de que você vai voltar!”

Todas as almas do Inferno
vieram se despedir
e a alma do político
no elevador ao subir
viu quando olhou para trás
dos olhos de Satanás
uma lágrima cair!

Dentro de poucos instantes
o elevador chegou
ao portão do Céu e lá
São Pedro o recepcionou
apertou-lhe a mão sorrindo
e disse: “Seja bem-vindo!”
Mandou-lhe entrar e ele entrou.

São Pedro falou à alma:
“À vontade vá ficando
de anjos tocando harpas
veja ali aquele bando
com muitas almas contentes
todas elas sorridentes
muitos querubins brincando!...

Sinta quanta paz existe
neste lindo casarão
onde há muitas moradas
para mais de um irmão
que pretenda eternamente
viver feliz e contente
com amor no coração”.

Assim pôde ver a alma
o que havia no céu:
sossego, paz e harmonia
não tinha ali escarcéu
era onde o amor reinava
ali não se vislumbrava
um ambiente pra réu...

Depois que a alma passou
um dia em cada lugar
conhecendo cada canto
São Pedro veio perguntar:
“E então, meu camarada?
A decisão tá tomada?
Onde você quer ficar?”

O senador disse: “Pedro
vou falar sinceramente
eu gostei do céu, amigo
vi que é bom o ambiente
mas aqui pra nós, meu santo
uma coisa eu lhe garanto:
o inferno é que é o quente!”

São Pedro disse: “Tá vendo
como é que as coisas são?!
Quando da primeira vez
’cê bateu no meu portão
disse o Céu ter escolhido
ser seu lugar preferido
mas mudou de opinião!”

E pegando pelo braço
da alma do senador
foi São Pedro o conduzindo
até o elevador
e disse: “Nessa eleição
de escolher Deus ou o Cão
foste tu o eleitor!

Sendo assim, meu nobre amigo
pro Inferno descerás
junto com aquelas almas
para sempre viverás
espero sejas feliz
foi você mesmo quem quis
viver junto a Satanás!”

Dentro de um piscar de olhos
o elevador chegou
nas profundas do Inferno
e logo a alma notou
algo no ar diferente:
Satanás com o tridente
com chifre e rabo o saudou!

Gargalhando, o Satã disse:
“O bom filho ao lar regressa!”
e lhe dando um forte abraço
disse: “Estou feliz à beça
com você no meio da gente!
Que ’cê viva aqui contente
é o que me interessa!”

A alma olhou ao redor
percebeu tudo mudado:
não tinha mansão nem festa
e vinha de todo lado
gemido e ranger de dente –
só então ficou ciente
que tinha sido enganado!

Toda a gente que ele vira
bebendo e se divertindo
estava agora arrasada
roupas rasgadas vestindo
dentro de imundo lixão:
encontrou em aflição
quem antes vira sorrindo.

A alma olhou para o Cão
e disse assim: “Não entendo!
Ontem quando estive aqui
encontrei todos bebendo
numa festa muito linda...
Sinceramente, eu ainda
não creio no que estou vendo!”

Respondendo, o Cão lhe disse:
“Estás bem nervoso, eu noto
mas sobre o que vês agora
os pingos nos is eu boto:
sou o rei da artimanha –
ontem eu tava em campanha
hoje eu já tenho o teu voto!”...

Mesmo assim age quem faz
da política profissão:
dá dinheiro, gasolina
cimento pra construção
paga contas atrasadas
enfrenta quaisquer paradas
pra ganhar a eleição!...

Pra ter o poder comete
todo e qualquer gesto errôneo
e ilude o cidadão
da cidade ou o campônio...
Esta gente má assim
merece ser mesmo ao fim
churrasquinho do Demônio!

E pra findar a história
o senador arrasado
provou do próprio veneno
com que viveu no passado:
quem tanto em vida enganou
depois da morte acabou
pelo Cão sendo enganado!



Janduhi Dantas é autor da premiada “A Gramática no Cordel”



Também são de sua autoria:
Folhetos:
“A mulher que vendeu o marido por R$ 1,99”
“História do chefe mau que prestou contas ao Cão”
“O aluno inteligente e os colegas ignorantes”
“O enterro da papa-hóstia da língua grande demais”
“O homem mais importante aos olhos do Senhor”
“Patos, terra de calor humano”
“Allyrio Wanderley, o louro do Jabre”
“Peleja da carta com o e-mail”
“Teologia da Libertação: celebrando o pão da vida”
“Os dez mandamentos do voto”

Pedidos pelo e-mail
jdantasn@yahoo.com.br

Nenhum comentário:

Arquivo do blog