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terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Apenas 12 anos


Por Marcos Eugênio

Passava das 08h da manhã, e como de praxe fazia minha visita matinal à 5ª Superintendência de Polícia Civil, onde buscava informações sobre um homicídio que acontecera no dia anterior. A delegada que deixara o plantão retornaria para terminar algumas tarefas não concluídas a longo de seu expediente. De repente percebo uma movimentação de PMs. Como todo jornalista tem que ser curioso cheguei um pouco mais perto, como quem não queria nada, e vi um deles iniciando o BO. Disse para meus botões: há novidades no ar, e me aproximei ainda mais. No cenário, além dos PMs, um homem meio truculento, um pouco agitado, de sorriso sarcástico pelo canto da boca, falava em direção a um garoto, sentado no chão e depois voltava seu olhar para os PMs, num gesto de quem clamava apoio para sua descarga emocional. Ele havia sido vítima do menor, de 12 anos, que entrara no seu estabelecimento comercial e furtado alguns trocados. “Você pensa que vai fazer isso novamente?”, “Já lhe peguei cinco vezes escondido dentro de lojas, inclusive naquela perfumaria”, “Tem que ficar os dados dele aí para as pessoas saberem quem ele é”, “Bandido já nasce feito”. Essas foram algumas das frases proferidas pelo truculento. Fiquei chocado com essa última: Bandido já nasce feito. Ora, temos tantos exemplos que a mídia mostra quase que diariamente, nos seus raros momentos de boa notícia, infratores em processo de recuperação ou já recuperados, depois de uma oportunidade.
Não me contive com aquela situação vexatória para aquela criança que, mesmo acuada como bicho de mato, rodeada por policiais e um acusador, mantinha-se serena. Não agüentei o clima pesado e fui até a delegada que acabara de chegar. Primeiro para saber se o procedimento policial seria aquele de manter os menores expostos à tamanha humilhação, pressionados, xingados, ameaçados, e se o Conselho Tutelar já havia sido informado da presença da criança naquele recinto. Respondeu que não sabia, pois acabara de chegar. Questionei também sobre a frase que não me saia da cabeça, “Bandido já nasce feito?”, me referindo especificamente ao público infrator mirim. Disse que naquela situação, se a criança não tiver uma estrutura familiar e assistencial seu fim poderia ser mesmo as grades. Compartilhei com a justificativa.
Até aquele momento ainda não tinha tido tempo de olhar para o garoto. Ao me abaixar quase que à altura dos coturnos dos PMs, o reconheci de imediato. Fora o mesmo com quem me deparei dias atrás na própria 5ª Superintendência. Tinha sido apanhado por consumo de crack. Apenas 12 anos. Conversei com ele, que me pediu que fosse avisar a seus pais que havia sido apreendido, disse-lhe que no momento não podia fazê-lo porque estava em pleno expediente e tinha material para enviar à minha editoria. Conversamos um pouco mais, quis saber que lhe passava crack, mas se negou a me dar a informação, cumprindo a lei do tráfico, o que lhe garante a “existência”. Talvez a seqüência de furtos por ele cometidos seja para lhe garantir a droga, que provoca rápida dependência e cujo efeito dura em média apenas cinco minutos. Esperei um pouco mais e nada de alguém do Conselho Tutelar. Resolvi telefonar, mesmo quase já sem crédito no celular. O sinal de ocupado permaneceu por uns dezoito minutos. Foram dezenas de rediscagens, até que alguém do outro lado, enfim, atendeu. Expliquei a situação, perguntei se o Conselho havia sido informado, obtive resposta negativa. A senhora que me atendeu disse que então que mandaria alguém até a Delegacia, mas antes me perguntou quem era o garoto envolvido. Disse-lhe seu nome e endereço. Ela corrigiu o local de sua residência, informando que ele sempre dava endereço errado, talvez para evitar a presença da Polícia em sua casa. Desse caso tiro várias lições, dentre elas a certeza que nossa sociedade é craque em atirar pedras, nunca buscando razões para determinados fatos. O desprezo que existe ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que vem sendo desrespeitado Brasil afora, um exemplo claro é o desse menino de 12 anos, que deveria ser assistido, mesmo sendo delinqüente, em sala reservada e acompanhado por um psicólogo, por um membro do Conselho Tutelar, como está previsto em lei; o alto grau de abandono de milhares e milhares de crianças; a falta de políticas públicas que revertam a miserabilidade do povo brasileiro; o despreparo dos policiais para enfrentar fatos dessa natureza e por aí vai, vai...

foto:www.canalcontemporaneo.art.br

3 comentários:

Anônimo disse...

Impressionante e Perfeito o relato publicao por você Marcos. Basta ter um minimo de sensibilidade para ter certeza que esse problema não será resolvido com truculências ou o senso comum de redução da maioridade penal, assim, pura e simples. Perfeito. Um abraço. Delzymar Dias

Zenilda Lua disse...

Bacana demais essa sua atitude Marcos. Parabéns! Se existissem mais pessoas como você nossa sociedade não estaria nessa proliferação tão árdua de caos pulgente. Poucos atentam para a realidade deste menor excluído, marginalizado, sem estrutura familiar ou social. Sem possibilidade de inserção profissional. Sem educação sem nada que lhe assegure o mínimo de dignidade.É fácil apontar o dedo, difícil mesmo é interagir a favor de uma política social igualitária e justa onde "estes infelizes" (completamente desprovido de sorte)tenham acesso a uma promoção pessoal mínima possível e de direito que está devidamente garantido na Constituição Brasileira. Um abraço!

Zenilda Lua disse...

Bacana demais essa sua atitude Marcos. Parabéns! Se existissem mais pessoas como você nossa sociedade não estaria nessa proliferação tão árdua de caos pulgente. Poucos atentam para a realidade deste menor excluído, marginalizado, sem estrutura familiar ou social. Sem possibilidade de inserção profissional. Sem educação sem nada que lhe assegure o mínimo de dignidade.É fácil apontar o dedo, difícil mesmo é interagir a favor de uma política social igualitária e justa onde "estes infelizes" (completamente desprovido de sorte)tenham acesso a uma promoção pessoal mínima possível e de direito que está devidamente garantido na Constituição Brasileira. Um abraço!

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