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sábado, 11 de outubro de 2008

DERRUBARAM O GIGANTE


Por Misael Nóbrega de Sousa

Certa vez, quando ainda trabalhava para o jornal da Paraíba, fiz uma reportagem sobre o cinema do Prado. Era, talvez, a primeira de inúmeras especulações sobre o seu fechamento. A matéria acabou tendo um relativo destaque, afinal a terceira cidade do Estado estava desprezando a chamada “sétima arte”, por algum motivo. Muitas foram as argumentações que trouxe, na matéria, tais como: violência, comodismo, falta de bons filmes e, principalmente, os vídeos-cassetes, hoje aparelhos de DVD’s (sabe-se lá o que será amanhã), para justificar o desmedido, à partir das entrevistas e pesquisas realizadas, nos dias que antecederam a publicação.
Analisando o caso, anos depois de consumado, a foto, tirada com a minha velha Zenit 122 de guerra, foi o que mais me impressionou. Procurei um ângulo que enquadrasse em primeiro plano o cadeado cerrando o portão principal; e com a velocidade do obturador e do diafragma ajustados acertadamente, consegui um efeito de profundidade de campo, que flagrasse a expressão do ator Tom Hanks com um olhar de perplexidade, no cartaz do filme: “À espera de um milagre”, - por acaso exposto num plano de fundo. Àquilo acabou sendo a passagem mais intrigante da história em que, na oportunidade, eu descrevera como testemunha ocular. Porém, nada comparada a notícia, disposta no periódico igual profecia, e que indubitavelmente viria a se confirmar.
As salas de projeções de agora (embora mais aconchegantes), não se comparam com a grandiloqüência de antigamente: cinemas mais pareciam catedrais de Áugures, verdadeiros santuários de entretenimento e ópio, por que não?. Talvez, quem sabe, seja pela evocação do deífico que grupos religiosos se interessem em comprar as estruturas de concreto, fortalecidas pelo tecido espiritual das gerações – e, portanto, já santificadas por assim dizer. Hoje, confesso, tive um profundo desgosto em ver que o edifício, sem nenhum cartaz convidativo havia dias, estava sendo demolido. Era, enfim, a certeza de que uma época se perdera; um estado de espírito idem; uma pessoa sem mais nada para lembrar. Incalculáveis foram às vezes em que assisti a filmes no afamado “gigantão do Prado”.
Nada será mencionado, ainda que de modo enumerativo, feito galanteria, aos diretores, roteiristas, atrizes ou atores... – mesmo entendendo que a atuação deles determinaram alguns de meus sonhos. Já dissera, portanto, que houve uma morte-viva; uma deslembrança na forma de um protesto digno e não como uma rendição. Seria pretensão demasiada acreditar que aquelas cadeiras do cine São Francisco fossem eternamente cativas em suas fileiras; e, o quadrilátero, um próprio espaço de mim. No entanto, deixo aquele recinto impregnado de meus suores, como pagamento pelos seus favores: um achaque daquilo que agora sinto no mais íntimo de meu viver. O sol despenca miseravelmente no final da Rua do Prado e doura a testeira do prédio-casa de Almir; que ali estivera por longas películas e que fora também abrigo de cinéfilos de todos os títulos. Amém.
Jornalista e professor

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